Rómulo de Carvalho continua a explicar aos seus tetranetos os passos que conduziram ao 25 de Abril de 1974. O tempo de lhes dizer que talvez eles estejam surpreendidos por o tetravô tanto saber de
acontecimentos com tanto pormenor sem ter participado neles. E explica:
Tudo decorria em segredo «mas houve um militar de carreira, que foi um dos cabecilhas de toda a
movimentação que se seguiu, que, depois da questão resolvida, escreveu um livro
em que relata todos os pormenores do que aconteceu, quase dia-a-dia. O homem
era capitão e chamava-se Diniz de Almeida (não sei se ainda é vivo), e o livro
que escreveu e publicou intitulava-se “Origem e Evolução do Movimento dos
Capitães. O livro caiu no esquecimento, conforme conveio àqueles que,
posteriormente, se interessaram em dar aos acontecimentos então decorridos, o
ar mítico e heróico dos gestos portugueses. Tenho aqui o livro ao meu lado e
nele uns sinaizinhos que me revelam as particularidades do que então se passou.
O abaixo-assinado
dirigido ao Presidente do Conselho não o comoveu. Felizmente para a nossa
História. 2Creio que teria sido catastrófico para a sobrevivência do Movimento
a revogação imediata do decreto”, lê-se na página 66 do citado livro. DE facto,
se o Governo revogasse o decreto, os oficiais acomodavam-se e ainda talvez a
esta hora estivéssemos em guerra no Ultramar.»
Pela leitura do livro de Diniz de Almeida, Rómulo conclui
que grande parte dos militares envolvidos nas reuniões estavam mais preocupados
com o seu prestígio, «o qual prestígio
dependeria da satisfação dos seus interesses económicos.»
Mais ainda:
«A ditadura que nos
oprimia há quarenta e tantos anos, em nada os preocupava. Dessem-lhes o que
pretendiam e tudo prosseguiria na mesma, a ditadura e a guerra. Numa das
circulares assinadas por dois heróis do próximo futuro, Vasco Lourenço e Otelo
Saraiva de carvalho, lê-se: “como o nosso movimento está isento de qualquer
cunho político” (p. 175). Venham as regalias, renove-se o nosso prestígio, e a
ditadura pode contar connosco.»
Assim prosseguia o «sereno
desassossego», como lhe chama Rómulo e, seguindo o livro de Diniz de
Almeida, lembra que em finais de Novembro 73 aparece um tenente-coronel de
apelido Bazanol a dizer aos seus camaradas:
«Estão a esgotar-se
com um assunto que não vale a pena. Isto não é uma questão de galões. O que
vocês estão, e todos nós, é agonizantes. Estrangulados por um regime que nos
conduz directamente para o abismo. É preciso que acordemos do pesadelo, é
preciso acabarmos de vez com a maldita guerra colonial. Impõe-se a revolução
armada desde já, seja qual for o seu preço e as suas consequências.»
Ainda Rómulo de Carvalho:
«Em outra reunião,
dias depois, noutro local, novamente o tenente-coronel atroa os ares com a sua
proposta revolucionária. O acolhimento foi pior do que no encontro anterior. Recebeu
o apoio de alguns mais entusiasmados e generosos e a censura da maioria. Ficou
desde aí injustamente marginalizado por louco ou incapaz. (p. 217-218).
De qualquer modo já
alguém pronunciara a palavra necessária: Revolução.»
Rómulo de Carvalho em Memórias
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