Carta de Mário-Henrique Leiria, escrita em S. Domingos de
Rana e datada de 29-30 de Novembro de 1961, para Isabel, a «Maruska querida»:
E isto, Maruska
bonita, porque eu ando sempre só, sempre a ver ao meu lado o vazio de um espaço
que já não existe. Esta tarde isto não aconteceu, estavas lá tu a cobrires
totalmente com a tua presença real um fantasma que nem sequer veio. Creio que
compreendes, Isabel, e que sabes com certeza que te amo. Isto que acontece
comigo é apenas o sentir as mãos vazias e não poder ter nada onde as pousar.
Mas acontece… Quando tu estás presente, querida, deixa de acontecer, mas o
facto é que estou muitíssimo mais tempo só – completamente só – do que
acompanhado. Por isso o escrever-te já é uma companhia, já é o sentir-te amanhã
a leres o que agora te digo. Isabel, esta é uma das razões porque tenho de me
ir embora… não suporto mais a solidão povoada que Lisboa me dá. Fui e voltei, é
certo, porque afinal eras tu que eu desejava (e desejo) encontrar. Mas agora
estou mesmo, mesmo no limite da resistência. Tenho que ir, ir para muito longe,
para onde a minha solidão possa ser apenas solidão, sem memórias nem fantasmas.
Depois, vem também o caso económico. Eu não quero continuar a viver assim:
tenho que ir fazer qualquer coisa, que trabalhar mesmo duro dentro da minha
especialidade… e aqui receio já não conseguir fazê-lo. É assim, Isabel; creio
que compreendes. Não posso, não posso suportar mais as mãos vazias e o eco de
uns passos que já se perderam.
Legenda: fotografia de Maxime Gréau
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