domingo, 29 de outubro de 2017

IRISH HEARTBEAT



Van Morrison está a festejar 50 anos de carreira a solo e publicou o seu 37º álbum de estúdio – Roll with the Punches.

Claro que Van Morrison não anda pelas listas dos discos mais vendidos, o próprio gosta muito pouco dos discos que faz, mas tem lugar de referência maior na música.

João Gobern, no Diário de Notícias, lembra a efeméride e acrescenta:

«Quando, há cinco anos, a insuspeita Rolling Stone procedeu a (mais) uma escolha dos 500 melhores álbuns de sempre, lá estavam, indiferentes às modas e à volatilidade destas eleições, dois discos do Big Van: Moondance(de 1970) em 66.º e Astral Weeks (de 1968, tão perto já do meio século) em 19.º. Nada mau, para um registo que, comercialmente, nunca foi além do 55.º lugar do top britânico...
Em boa verdade, qualquer destes álbuns e da esmagadora maioria dos outros, que perfazem o património de Van Morrison, pode continuar a ser ouvido hoje, com o mesmo prazer e sem enfrentar os riscos do final do prazo de validade. Por uma razão elementar: a escolha das canções, bem acompanhada pela escrita do próprio intérprete, continua a ser inspirada, apoiando-se na consistência do saber do protagonista, que conhece todos os standards, todos os nomes suscetíveis de poderem interessar-lhe. Depois, é aquele "pequeno passo" de génio, que se traduz em moldar cada momento a um fraseado próprio, a uma rítmica que transcende lógicas, a um tom de voz que se reconhece à segunda ou à terceira nota. Nestes particulares, faz lembrar Frank Sinatra, nada menos.

Roll with the Punches, para chegarmos ao que aqui nos traz, nada tem de novo - de resto, as últimas vezes que Van Morrison correu atrás da surpresa aconteceram em Irish Heartbeat, disco de 1988 gravado com os seus compatriotas (do lado sul da ilha verde) Chieftains, em que fez emergir despudoradamente as suas raízes celtas, e quando integrou o elenco especial da apresentação de The Wall (Pink Floyd) junto ao que restava do Muro de Berlim, redefinindo à força de voz uma canção tão contundente como Comfortaby Numb.

Aliás, é melhor que não haja sobressaltos - com Van Morrison, cada "prova cega" torna-se uma festa. E, neste disco, há, além dos temas próprios, canções de Bo Diddley, Doc Pomus, T-Bone Walker, Mose Allison, Sister Rosetta Sharpe e - bênção suprema - até de Sam Cooke e Count Basie. Além disso, por aqui se descobrem a guitarra de Jeff Beck, o Hammond de Georgie Fame, a harmónica de Paul Jones e o piano de Jason Rebello. O que significa que, estejam em causa Mean Old World ou How Far from God, Transformation ou Ordinary People (duas das três novas), e, sobretudo, Goin' To Chicago ou Bring It On Home To Me, a melhor solução passará sempre por deixar a música fazer o seu caminho, ligando-a ao passado ilustre de Van Morrison ou descobrindo um dos valores mais insistentes e coerentes da história do rock. Sem pressa - o feitiço vai obrigar a voltar aqui, uma e outra vez.


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