Guardámos nos últimos Olhar
as Capas, a trilogia dos Cafés de Álvaro Guerra.
Algo que o escritor subtitulou como um «folhetim do mundo vivido em Vila Velha.»
Vila Velha é Vila Franca de Xira onde nasceu a 19 de
Outubro de 1936, terra de toureiros, campinos, pescadores, lavradores, gentes
da lezíria, da borda d’água, um rio que, mais para a frente, há-de ser um mar.
A vida de uma
terra de província às portas de Lisboa, mas tão longe da cidade – o pequeno comércio
local com a farmácia, a mercearia, a casa de panos e linhas, a Barbearia
Gorjão, a Pensão Flor, o notário, o café que era para ser Central, virou
República, voltou a Central e passou a ser 25 de Abril. Também a estação de
comboio, a Igreja Matriz, a Filarmónica, o clube de futebol, a praça de toiros,
um jornal, Correio de Vila Velha,
cujo director era cego, o Cine-Teatro, mais tarde um Cine-Clube e um Clube
Cultural, dito Século XX.
Se Manuel da Fonseca dizia que o Largo era o centro do
mundo, daqui se dirá que o Café era o centro da vila.
O primeiro volume chama-se Café República e narra acontecimentos nacionais e do mundo de 1914
a 1945.
-Senhor Manuel
Maria, quero felicitá-lo pela escolha feliz do nome do seu estabelecimento –
elogiava Aníbal Castro.
- É muita gentileza
da sua parte, senhor Castro. Mas a bem dizer, a ideia não foi minha
«Eu tinha pensado
chamar-lhe Café Central, mas quando encomendei a tabuleta ao Praga de Mãe, ele
veio com aquelas falinhas mansas, que a República tinha sido implantada há duas
semanas, que era um nome bonito e poderoso, e tal e coisa. E, olhe, deixei-me
convencer.»
O segundo volume chama-se Café Central e guarda os acontecimentos de 1945 a 1974.
A chegada do «Manholas de Santa Comba Dão ao campo-político-pátrio,
levou à mudança do Café República para Café Central que era o nome que o galego
Manuel Maria sempre preferiu.
«No meio da Vila
que crescia, o Central, que já se chamara República, ficava na mesma. A bica de
saco aguentava bem a ofensiva do café expresso.»
Mas no findar do volume já se dá conta que um alguém
telefonara ao António Maria para a discussão de um «assunto importante e de seu interesse.»
«E o António Maria imaginava o Café Central com o balcão
transformado em guichets, a cozinha em cofre-forte, as cadeiras em belos maples
de couro e a máquina do café a vomitar notas e moedas. Entre a insónia e o
pesadelo, António sentia o coração bater a ritmo desencontrado, dividido entre
os nevoeiros da Finisterra, sempre vislumbrados a correr, na pressa das férias,
e aquelas paredes que vira pela primeira vez havia 58 anos entre as quais
trabalhava desde os seus 14 anos, Que diabo! Um homem apegava-se às coisas
todos os dias…»
A conversa realizou-se e o António Maria, filho de Manuel Maria, não deixou de perguntar:
- O senhor
desculpe… Mas há um coisa que me intriga… Porque é que os bancos não gostam dos
cafés?
O terceiro volume chama-se Café 25 de Abril e alcança os acontecimentos que se seguiram a esse
dia mas o autor não coloca qualquer espaço de tempo e apenas deixa estas: (as ruínas).
«... o café foi
baptizado pela terceira vez e a velha tabuleta substituída por outra de fundo
verde, cravos vermelhos em grinalda a envolver as letras amarelas que formavam
o novo nome – Café 25 de Abril...»
O Tríptico dos Cafés de Álvaro Guerra colhe um relato da História
desde 1914 a 1975, agarrado ao quotidiano viver da Vila, de como a História
pode ser contada à mesa de um café.e se outros motivos não existissem já isso
era suficiente para atenta leitura.
Álvaro Guerra dando curso à sua experiência de
jornalista, em tempos de ditadura, quando a censura não o esquartejava, botava Ponto Crítico na 3º página do República dirigido por Raul Rego, em
três volumes bem esgalhados, deixa os acontecimentos que marcaram os tempos, de
aqui e lá fora, muitos deles desconhecidos por alguns e outros já esquecidos.
«E em cada dia desse
mundo de notícias. Vila Velha adormecia em paz, na santa ignorância.»
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