Conheci o pintor
Artur Bual numa exposição de obras suas no SNI, o coio da propaganda
salazarista.
Muito anos mais
tarde, com o Helder Pinho, o Karlos Faria, abancámos, numa patuscada, na cave
que ele tinha por atelier/habitação na Amadora: latas de atum, azeitonas,
queijinhos frescos, um garrafão de tinto.
Parvamente, a
meio daquilo tudo e de muita converseta, lembrei-lhe o SNI.
Muito calmamente
respondeu:
- Fomeca, meu caro, muito espaço no estômago.
Nem mais uma
palavra.
Se parvo fui,
parvo fiquei.
Faltavam muitos
anos para ouvir o Mário-Henrique Leiria dizer: «Posso morrer de fome mas não
peço esmola», ou ainda, «para vivir de rodillas vale más morir de pie.»
Mas isso era o
Mário-Henrique Leiria, um louco genial e não podemos exigir que todos fossem
como ele.
Aprende-se com
as muitas merdas que vamos dizendo e fazendo.
Com aquela
parvoeira no atelier/habitação do Bual, a sua resposta, tomei uma lição para a vida.
Receio bem que o
Mário-Henrique Leiria tenha caído no esquecimento. Apenas alguns moicanos,
provavelmente os últimos, ainda sabem quem seja e lhe conheçam as pinturas e os
livros.
Conheci-o antes
do 25 de Abril, por mero acidente líquido no «Expresso-Bar», ali no
Largo da Trindade.
Uma atracção
imediata, um espanto que não mais se esquece. Um excelente contador de
histórias, rasgado por um humor colorido, gritante, irresistível, demolidor,
corrosivo mas desfazer-se em ternura.
Um louco genial,
que gargalhava frente à angústia. Era cruel e entendia que a «crueldade é somente
um processo quotidiano de exprimir qualquer coisa», ou como dele disse o O’Neill:
«um amigo que desconfia da amizade. Por instinto. No fundo tem medo que o
apanhem nas filigranas de uma ternura qualquer.»
Aliás, como
viemos a descobrir com a publicação de Depoimentos Escritos, um livro
cruel cheio de beleza. Pela sua leitura ficamos a saber de uma paizão louca que
teve por uma alemã, Dietlinde de seu nome, uma «ariana pura» e ele a ansiar por
uma vida calma com fedelhos pendurados nos joelhos, doces natais, que ela
sempre recusou.
A ariana acabou
por fugir com outro, que ela considerou ser o amor da sua vida, e para além de
o deixar destroçado e exigir o divórcio, levou-lhe quadros, discos com música e
canções de Natal, música russa e brasileira.
(29 de Outubro
de 2000)
Legenda: esta
fotografia do «Expresso-Bar» tem alguns anos, estava o botequim em obras
não sei se de restauro ou destruição. Terei que por lá passar…
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