Rómulo de
Carvalho, nas suas Memórias, começa a contar aos tetranetos, algumas
histórias do 25 de Abril:
A partir da vitória foi uma festa. Expulsos os
governantes, com boas maneiras, os militares e o povo, com cravos vermelhos ma
lapela ou nas mãos e até mesmo no cano das espingardas (por isso se lhe chamou
a “Revolução dos Cravos”) trataram, de imediato, de promover a liquidação da
odiada PIDE /Polícia Internacional de Defesa do Estado), com longo cadastro de
crimes, de violências, de abusos de toda a ordem, com sede em Lisboa na Rua
António Maria Cardoso. O ataque foi violento e sangrento com cinco mortos. No
total a Revolução provocou seis mortos: esses cinco e mais um que morreu de
indigestão no Parque Mayer a comemorar o derrube da Ditadura. Os pides foram
encarcerados mas, graças à Providência, fugiram todos numa mesma noite, mais de
cem, e nunca mais ninguém os apanhou. Se vos quiserdes divertir, meus queridos
tetranetos, ide folhear o Diário de Notícias desses dias e aí, encontrareis,
nas páginas dos anúncios, vários rectângulos em que se lê que Fulano de Tal vem
declarar por este meio que nunca pertenceu à Pide. Bons rapazes.
Uma vez expulsos os governantes, os militares,
promotores do acontecimento, entreolharam-se sem saberem bem o que haviam de
fazer a seguir. Eles sabiam conspirar, sabiam defender io seu prestígio, sabiam
actuar, sabiam tudo o que se presta para derrubar mas não para construir.
(…)
O que se passou a seguir foi uma balbúrdia que levou
alguns anos a serenar. Muitos foram os partidos que então se organizaram, e
cada um, com é óbvio, com o seu programa, o que provocou lutas permanentes e
abusos de toda a ordem. O Zé Povinho, a quem tanto faz que os governantes sejam
estes ou aqueles, desde que lhe satisfaçam os seus interesses, aproveitou-se da
balbúrdia e entregou-se a toda a espécie de desmandos, de atitudes e de linguagem.
Foi uma bela oportunidade para arranjarem casa de habitação de pedra e cal e os
que viviam em barracas de madeira. Eu vi aqui no meu bairro uns indivíduos partirem
os vidros das janelas de um rés-do-chão que estava desabitado, treparem para
elas e ocuparem a casa. Quem ia na rua, como eu, olhou e seguiu, sem qualquer
comentário.
Em Memórias
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