Carta de Jorge de Sena, datada de 2 de Abril de 1961,
Domingo de Páscoa, para Sophia onde lhe
agradece as palavras que lhe dirigiu sobre a Poesia I e Novas Andanças do
Demónio:
Eu não sei, Sophia,
aí quase tudo me não merece. Mas o que lhe garanto é que, aqui, também não nos
merecem. Temos por cá o mesmo carreirismo torpe, cuja virtude é ser
representado em descarado makebelieve. E, quase definitivamente, ninguém
culturalmente se interessa por nós. Respeitam-me, estimam-me ou admiram-me,
pelo que publico e faço; mas ninguém busca ler ou conhecer o que publiquei ou
fiz – e isto sucede com nós todos. Se eu ler poemas seus, como já li em
público, as pessoas gostam e admiram. Mas não se dão ao trabalho, sequer, de
pedir-me os seus livros para a lerem como nunca me pediram os meus. Eu sou o
grande escritor, aquele sujeito formidável que fez e faz conferências
esplêndidas, escreve belos artigos no estado de São Paulo, é astro de
congressos… e aqui a coisa acaba. Nós não existimos para eles, de resto,
culturalmente, poeticamente, nada existe: tudo é literatura Os estudos de literatura
brasileira enchem tudo, envenenam tudo. Acha a Sophia que nós existiríamos
culturalmente, se tivéssemos a vida desenterrando e admirando as belezas
supremas dos poetas portgueses de 20ª categoria, por exemplo, os
ultra.rmânticos do Trovoada, do Gonçalves Crespo, qualquer texto que se
imprimiu na Bahia, em 1750? É o que, equivalentemente, aqui se faz. E a
vibração poética, dramática, angustiosamente metafísica, que faça o melhor dos
nossos versos, como ser apreciada bem, se acab equiparad a um soneto de Bilac?
A grande vantagem, aqui, é haver condições de trabalho para fazermos a nossa
obra, sem nos intrometermos se não abstractamente nesta pandilha literária que,
assim nos não incomoda. Mas sabe V. que, há meses, quando fui elevado a
secretário-Geral do Congresso da Crítica, houve tumultos ocultos, porque sou
estrangeiro?! Pois houve.
Sem comentários:
Enviar um comentário