Café Central
Álvaro Guerra
Capa: João Segurado
Edições O Jornal, Lisboa, 1984
Firmino Fontes
morreu na tarde do primeiro domingo da Primavera de 1956, sem tomar
conhecimento do relatório Krutchev, apresentado um mês antes ao XX
Congresso do Partido Comunista da União
Soviética. Apagou-se aos 79 anos, sentado numa cadeira de palha, à porta do
rés-do-chão onde sempre vivera, com os últimos raios de um sol ainda pálido.
Vestia o fato de ganga dos domingos. O dr. Sales, chamado a constatar o óbito,
atribuiu o passamento a congestão provocada por um copo de água fresca bebido
depois da dobrada do almoço.
Não se sabe se o
combativo serralheiro teria resistido à notícia de que Estaline dera muito maus
passos na «construção do socialismo» e que os seus antigos pares o apresentavam
agora como um sinistro tirano com as mãos sujas de sangue. Admite quem o
conheceu que isso não seria suficiente para derrubar aquela fortaleza
vila-velhense do amanhã radioso. A julgar pelos camaradas que cá ficaram é bem
provável que digerisse a pretensa desestalinização com muito mais facilidade
que a fatal dobrada.
Foi enterrado com
todas as honras que a polícia permitiu, o emblema da foice e martelo na lapela
do casaco de ganga. E acompanharam-no à última morada todos os camaradas cuja
presença em Vila Velha não acarretava riscos excessivos.
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