Mortos Sem
Sepultura
Jean-Paul Sartre
Tradução: Francisco da Conceição
Capa: Alves Martins
Editorial Presença, Lisboa, Março de 1961
Sorrier – A garota
da quinta. Ouvia-a gritar, enquanto eles os traziam para aqui. O fogo já
chegava à escada.
Lucie – A pequena
da quinta? Não precisavas de nos dizeres.
Sorbier – Muitos outros
morreram. Mulheres e crianças. Mas eu não lhe ouvia a agonia. Ao passo que a
miúda, ainda aparece que a oiço gritar. Não podia guardar só para mim esses
gritos.
Lucie – Ela tinha
treze anos. Foi por nossa causa que morreu.
Sorbier – Foi por
nossa causa que todos morreram.
Canoris – Vês que
valia mais ficar calado.
François – E então?
Já não voltamos a combater. Daqui a pouco, és capaz de chegar à conclusão de
que tiveram sorte.
Sorbier – Eles não
aceitaram morrer.
François – E eu
aceitei? A culpa não é nossa, se a missão falhou.
Sorbier – Sim. A
culpa é nossa.
François –
Limitámo-nos a cumprir ordens.
Sorbier – É certo.
François –
Disseram-nos: «Vão lá acima e tomem a povoação». E nós observámos-lhe: «Isso é
idiota; dentro de vinte e quatro horas, os alemães estarão prevenidos». E a
resposta deles foi: «Vão lá mesmo assim e tomem-na», ao que nós ripostámos:
«Está bem». E fomos. De quem é a culpa.
Sorbier – Devíamos ter
vencido.
François – Não tínhamos
possibilidades de vencer.
Sorbier – Eu sei,
mas apesar de tudo devíamos tê-lo conseguido. Trezentos. Trezentos que não
aceitaram a morte e que morreram por coisa nenhuma. Estão estirados no meio de
pedras à torreira do sol; deve-se poder avistá-los de todas as janelas. Por
nossa causa não há nessa ladeia senão milicianos mortos e pedras. É duro morrer
com esses gritos nos ouvidos.
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