Cesare Pavese
suicida-se a 26 de Agosto de 1950.
Inicia a 6 de
Outubro de 1935 este seu Ofício de Viver.
A 10 de Abril de
1936, encontramos a primeira referência ao suicídio: «estarei, para sempre,
condenado a pensar no suicídio. É isto que me atemoriza: o meu princípio é o
suicídio, nunca consumado, que nunca consumarei , mas que me acaricia a
sensibilidade.»
A 15 de Março
desse ano, regista que chegou ao fim o «confino», residência vigiada a que
esteve condenado pelo governo fascista. Condenação que não teve a ver com
qualquer actividade política, antes por ter escondido umas cartas a pedido de
uma mulher que amava e que foi mais uma das suas inúmeras angústias e
frustrações.
Em final de
prosa do dia 10 de Abril de 1936, confessa: «Um homem que não sabe
viver, que não cresceu moralmente, que é inútil, que se consola com a ideia do
suicídio, mas não o realiza.»
Abandonado a si
próprio, acabaria por desistir.
10 de Abril de
1936
Quando um homem está no estado em que me encontro só
lhe resta fazer o exame de consciência.
Não tenho motivo para repudiar a minha ideia fixa de
que tudo o que acontece a um homem é condicionado pelo seu passado; em suma, é
merecido. Evidentemente que devo ter feito das boas para ter chegado a este
ponto.
Antes de tudo, ligeireza moral. Já alguma vez pus verdadeiramente o problema de
que, em consciência, devo fazer? Segui sempre impulsos sentimentais,
hedonistas. A este respeito, não há dúvidas. Mesmo a minha misoginia (1930-1934)
era uma atitude voluptuosa; não queria chatices e comprazia-me na »pose».
Quanto esta «pose» era invertebrada, viu-se depois. E, também na questão do trabalho,
não fui sempre um hedonista? Agradava-me trabalhar em arranques febris, sob o
estímulo da ambição, mas tinha medo, medo de me prender. Nunca trabalhei verdadeiramente e, de facto, não sei qualquer
ofício. E há outro defeito que se vê também claramente. Nunca fui o simples
inconsciente que goza as suas satisfações e se está nas tintas. Sou demasiado
cobarde para isso. Acariciei-me sempre com a ilusão de que possuía o sentido da
vida moral, passando instantes deliciosos – é a palavra justa – a inventar
casos de consciência, sem me decidir a resolvê-los pela acção. Depois, não
desejo exumar a complacência com que outrora me entregava ao aviltamento moral
com fins estéticos, e do qual esperava uma carreira de génio. E este período
ainda o não superei.
A prova! Agora que atingi a completa abjecção moral,
em que penso? Penso como seria belo se esta abjecção fosse também material; se,
por exemplo, tivesse os sapatos rotos.
Sòmente assim se explica a minha actual vida de
suicida. E sei que estou, para sempre, condenado a pensar no suicídio, diante
de qualquer dificuldade ou dor. É isto que me atemoriza: o meu princípio é o
suicídio, nunca consumado, que nunca consumarei, mas que me acaricia a sensibilidade.
Cesare Pavese em
Ofício de Viver
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