quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O NOME DE UM PAI



[Do observador no velório de CDA]

 A tempo de descrever
a fabricação do luto:
o punhado de letras
apanhadas ao acaso
para formar o nome preciso.
Uma a uma com o seu espeto
prontas para serem pregadas
com zelo de profissional
no quadro preto de lã
sem desconsolo e lágrima
sem se sentir sozinho
diante daquelas sílabas
soletradas pelo mover
mudo dos lábios, no silêncio
(como se fosse uma prece)
da capela vazia, antes
da chegada do corpo:
um erro na composição
do nome foi corrigido
mas a morte incorrigível
já tinha chegado, há tempo.


Armando Freitas Filho

Nota do editor: No dia em que Carlos Drummond de Andrade morreu o seu amigo e poeta Armando Freitas Filho, deslocou-se à casa mortuária. Dos primeiros a chegar, verificou que estavam a escrever, num painel, Drummond com um m a menos. Corrigiu e o episódio deu lugar a este poema.
O poema como a história são retirados de um trabalho de Alexandra Lucas Coelho, publicado no Público de 17 de Agosto de 2012.

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