Obrigado, futebol, por tudo o que nos deste,
pelo vinho e pela cicuta (e pelo esquecimento).
Obrigado pelos dias desordenados e pelas
noites transbordantes, obrigado por não teres cabido em nós e por nós não
termos cabido em nós, obrigado pelas lágrimas e pelo riso, pelas cataratas de
cantos, pelo incêndio das bandeiras, pelo amarelo e pelo azul, pelo oiro e pela
tempestade, obrigado pelo escândalo ruidoso da alegria, obrigado pelo regozijo
e pela esperança, pelos muros efemeramente derrubados, por todos os abismos
que, por um momento, se fecharam entre nós.
Agora que partiste, voltaram eles, saídos da
sombra, os dos discursos, os das promessas, os economistas, os usurários, os
eunucos («os eunucos devoram-se a si mesmos / lambuzam de saliva os maiorais…»,
cantava, recordas-te? o Zeca Afonso), os meros aldrabões. As palavras deixaram
de ser límpidas e sonoras, e servem de novo, não para iluminar, mas para
confundir, e as mãos para mistificar e para ocultar. Aqueles desconhecidos que
ainda ontem abraçávamos na rua olhamo-los agora com estranheza e com
desconfiança e, se vêm na nossa direcção, viramos a cara para o lado e apressamos
o passo.
Que nos aconteceu, que ficámos sós?
De repente fez-se um grande silêncio: copos vazios, papéis pelo chão, realidade, sujidade. De que falaremos agora? Que diremos uns aos outros? Olha para nós, cabisbaixos como essas bandeiras pendendo ainda das últimas janelas, destroços cansados de um passado quase perfeito. As ruas estão de novo desertas e já ninguém passa de automóvel gritando e saudando-nos com os braços imensamente abertos.
Agora que tudo voltou a ser lento, sórdido e obscuro, obrigado, futebol, por nos teres permitido um instante de claridade.
Que nos aconteceu, que ficámos sós?
De repente fez-se um grande silêncio: copos vazios, papéis pelo chão, realidade, sujidade. De que falaremos agora? Que diremos uns aos outros? Olha para nós, cabisbaixos como essas bandeiras pendendo ainda das últimas janelas, destroços cansados de um passado quase perfeito. As ruas estão de novo desertas e já ninguém passa de automóvel gritando e saudando-nos com os braços imensamente abertos.
Agora que tudo voltou a ser lento, sórdido e obscuro, obrigado, futebol, por nos teres permitido um instante de claridade.
Manuel
António Pina, Visão, 29 de Julho de
2004
Sem comentários:
Enviar um comentário