Jesusalém
Mia Couto
Prefácio:
Miguel Real
Colecção
Essencial-Livros RTP nº 3
A família, a escola, os outros, todos elegem
em nós uma centelha promissora, um território em que poderemos brilhar. Uns
nasceram para cantar, outros para dançar, outros nasceram simplesmente para
serem outros. Eu nasci para estar caldo. Minha única vocação é o silêncio. Foi
meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para
apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não um único
silêncio. E todo o silêncio é música em estado de gravidez.
Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível
recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhando, de alma e corpo ocupados:
tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude. Eu era um afinador de
silêncios.
- Venha, meu
filho, venha ajudar-me a ficar calado.
Ao fim do dia, o velho se recostava na
cadeira da varanda. E era sim todas as noites: me sentava a seus pés, olhando
as estrelas no alto do escuro. Meu pai fechava os olhos, a cabeça meneando para
cá e para lá, como se um compasso guiasse aquele sossego. Depois, ele inspirava
fundo e dizia;
- Este é o
silêncio mais bonito que escutei até hoje. Lhe agradeço, Mwanito.
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