segunda-feira, 18 de julho de 2016

OLHAR AS CAPAS


Agora e na Hora da Morte

Luís Filipe Costa
Capa: Henrique Cayatte
Editorial Caminho, Lisboa, Agosto de 1988

No écran apareceu a palavra fim, as luzes começaram a acender-se e a malta, ainda a piscar os olhos, pôs-se a aplaudir.
Era sempre assim nas sessões do cineclube. Às vezes, até se gritava abaixo a censura quando o filme dava um salto e a gente via perfeitamente que tinham cortado uma cena.
Mas, naquele dia, a voz que se ouviu era outra.
Vinha lá do fundo, do pé da porta, e disse:
- Tudo em fila por aqui, para identificação.
As palmas morreram num instante e a voz, então, ouviu-se muito bem
Depois começou tudo a falar ao mesmo tempo e veio um tipo pela coxia fora a mandar andar.
Caraças, é a Pide, pensei eu e fiquei à rasca.
Era a primeira vez que me via num assado daqueles. Levei a mão ao bolso e lá o senti.
Um livrinho do Gorki. Era mesmo o que me fazia falta.
- Tens coisas aí?
Olhei para o lado. Havia um tipo a sorrir-me. Tinha o cabelo todo aos caracóis e os maxilares quadrados. Devia ser um bocadinho mais velho que eu. Já devia ter pelo menos vinte anos.
- É A Mãe – disse eu e abri o bolso para ele ver o livro.
A malta continuava a morder palavras alusivas ao acto, andando pelo corredor, abaixo, devagarinho.
- Embora por aqui.
O tipo levantou a perna e passou por cima da cadeira, para a fila da frente. Fui atrás dele. Saímos para a coxia lateral a correr em direcção ao écran. E de repente um cortinado verde e uma porta e um hall vazio e outra porta e por fim a rua.

Sem comentários: