quinta-feira, 21 de julho de 2016

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Houve uma altura em que pensava que escrevia para mim mesmo. Mas ninguém escreve para si mesmo, agora tenho a certeza absoluta. Mesmo que seja discreta, a escrita nunca é secreta; e mesmo se for secreta, nunca é feita só para si mesmo, há sempre um leitor a espreitar por cima do ombro. O próprio facto de se escrever, significa que há um leitor potencial. O Barthes falava da "familariedade social do poeta". O facto de se escrever numa língua, já implica um leitor algures, implica a leitura. Se fosse para nós mesmos, nem se escrevia, ou escrevíamos numa língua secreta. Mas Os Papéis de K não o fiz com intenção de publicação, sequer... Às vezes escreve-se só para ver, para ver no que dá. E foi a Ilda David, o livro até lhe é dedicado, que achou que se devia publicar aquilo. Tem muita ficção, mas tem muitas coisas verdadeiras, também, das minhas memórias.

Manuel António Pina

Legenda: pormenor da capa de Os Papéis de K. sob uma pintura de Ilda David

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