sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

O MEDO


No dia 23 de Setembro de 1966, em Chaves, plena ditadura salazarista, Miguel Torga escrevia sobre o medo, e não só:

Só há uma lepra humana pior do que o despotismo: a cobardia. A cobardia individual ou colectiva, a que recua diante da força ou diante dos factos. De maneira singular ou plural, aberta ou encobertamente, a vida faz-nos sempre a mesma exigência: o exercício quotidiano da coragem e do risco. E quando o medo nos tolhe, e nos negamos a essa prática salutar, perdemos como parcelas oyu como soma, aquela mínima dignidade que distingue a pessoa da rês e o grupo da manada.
E o medo tolheu-nos. Por todo o país só se vêem paralíticos, seres entorpecidos, que renunciaram a viver no terreiro da claridade afirmativa e vegetam no antro da obscuridade negativa. Prudentemente fechado no seu casulo, cada qual olha o vizinho como um inimigo, a quem não fala e a quem não quer ouvir. Falar, é denunciar-se; ouvir é comprometer-se. E só ao nível da anedota constituímos uma nação. Apenas nesse baixo plano chalaceiro dialogamos e nos sentimos irmãos.

Miguel Torga, Diário, Volume X

Sem comentários: