sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

TEIXEIRA DE PASCOAES


15 de Dezembro de 1952
Morreu Teixeira de Pascoais, e nova glória ambígua surge no Olimpo doméstico da nossa poesia. Ao lado de dois ou três nomes recortados e fatais que reinam ali, e a qualquer evocação devota se não pode esquivar, o seu ficará sempre esfumado e contingente. Incapaz de uma visão renovada dos mitos que cantou – e eu penso na sua vivência do amor, tão banal ao lado da de Camões, ou na sua representação da morte, ainda de foice à nossa espera ao canto da rua, quando outros no-la mostravam já dentro de nós -, velho e revelho na forma e no conteúdo, por muito que se queira é difícil concebê-lo nítido e presente na memória duma posteridade que exige dos próprios deuses milagres cada vez mais concisos e originais. O pseudo-pensamento, a metafísica de caixa alta, as sínteses arbitrárias e o resto, são escuridões que só geniais relâmpagos de intuição e de autêntica beleza, marcadamente seus, conseguem iluminar. A ascese que redimiu a poesia, e é por certo a maior conquista que se fez ultimamente no campo do espírito, não a pôde entender o autor de Maránus. Ali era o transbordamento, a retórica, o caos, os sentimentos e as paixões a moverem-se sonâmbulos numa noite de luar difuso. Bardo in natura, lírico em disponibilidade permanente, por fatalidade étnica, faltou a Pascoais a compreensão de que o abandono emotivo passara a ser implacàvelmente, para que nenhum elemento impuro viesse toldar a claridade sucinta do poema. Criança no mais rigoroso e temporal sentido, o Poeta não conseguiu a ordenação adulta dos grandes criadores. E é talvez nessa infância que durou uma vida, na perplexa visão dum mundo informe, e na ingénua maneira de o testemunhar, que reside o interesse e o problema da sua personalidade e da sua obra.

Miguel Torga em Diário, Volume VI

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