sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


João Bénard da Costa, abria assim uma das suas crónicas:

Nos nossos cinemas, ou no que resta dos nossos cinemas, se me quiser fazer entender.

Os velhos cinemas estão quase todos liquidados, ou em vias de…

Uma sala de cinema era um local de liturgia.

Hoje, já não se vai ao cinema como um acto relevante do nosso quotidiano, mesmo uma festa.

Eduarda Dionísio escreve no seu Retrato Dum Amigo EnquantoFalo:

Ir ao cinema tinha deixado de ser há muito tempo o filme – nunca se lembrariam de ver o mesmo filme na televisão, em casa de alguém.
Ir ao cinema era a compra do bilhete, a entrada, as conversas do foyer porque encontravam sempre gente conhecida, era o escuro da sala e sobretudo as primeiras imagens depois da cortina abrir ou subir até aparecerem nomes conhecidos por cima, a encarnado por exemplo, abarcando a amplidão toda duma rua ou duma cidade e finalmente vendo-se as primeiras pessoas, ouvindo-se as primeiras frases.
Aí ficavam no escuro muito fresco esperando o fim, começando a construir paralelamente ao filme que viam numa grande solidão aglomerada as primeiras teorias sobre a obra, a estrutura, o ritmo as imagens, o som, esperando, a partir de certo momento o intervalo, voltando a entrar na fila já no escuro, pedindo licença, e cada um tendo a certeza que aquele filme lhe pertencia e ninguém podia entendê-lo, nem melhor, nem mais profundamente. Não queres ir amanhã ao cinema?

Hoje, os jovens vão ao cinema com todos os intuitos, menos o de ver cinema.
Compram baldes de pipocas e, durante a exibição do filme, dirigem, uns aos outros, em alta gritaria, graçolas e ordinarices, gargalham estupidamente.

Há uns anos, um pacato cidadão, mandou calar uns jovens, recebeu como resposta:

Queres que eu esteja calado? Oh man! queres ver um filme nas calmas, aluga um no clube de video e fica em casa, não venhas ao cinema, isto é para curtir, meu!.

O cinema dado e arrumado como produto descartavel.

Nos nossos cinemas, ou no que resta dos nossos cinemas, se me quiser fazer entender.


Legenda: um dos foyers do Cinema Império. Fotografia tirada do blogue Restos de Colecção.

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