domingo, 30 de novembro de 2025

POSTAIS SEM SELO


Eu gosto de delicadeza. Seja nos gestos, nas palavras, nas ações, no jeito de olhar, no dia-a-dia e até no que não é dito com palavras, mas fica no ar…

Manuel Bandeira

Colaboração de Aida Santos

COMEÇOS DE LIVROS


Existem aquelas palavras de Herberto Helder: «Morrer era agora minha liberdade, e eu tinha a vida inteira para executá-la pormenorizadamente».

Também as do político e jornalista Vitor Cunha Rego, «A pessoa preparar-se para a morte é a grande finalidade da vida.»

Os mortos só sabem uma coisa: é melhor estar vivo.

Gostar de morrer sem dar por isso.

E há aquele começo de Memórias de Adriano de Marguerite Yourcenar, uma obra magnífica, lida as vezes precisas, não suficientes, para o compreender, e em cada leitura sempre algo de novo, «como é que deixai passar isto na(s) outra(s) leitura), onde tinha a cabeça?


«Meu caro Marco

 

Fui esta manhã a casa de Hermógenes, o meu médico, que acaba de regressar à Villa depois de uma viagem bastante longa pela Ásia. Devia ser observado em jejum; tínhamos marcado a consulta para as primeiras horas da manhã. Deitei‑me num leito depois de ter tirado o manto e a túnica. Poupo‑te a pormenores que te seriam tão desagradáveis como a mim próprio, e à descrição do corpo de um homem que avança na idade e se prepara para morrer de uma hidropisia do coração. Digamos apenas que tossi, respirei e retive o fôlego conforme as indicações de Hermógenes, alarmado, a seu pesar, pelos progressos tão rápidos do mal e disposto a atribuir as culpas ao jovem Iolas, que me tratou durante a sua ausência. É difícil permanecer imperador na presença de um médico e difícil também conservar a qualidade de homem. O olho do prático só via em mim um montão de humores, triste amálgama de linfa e de sangue. Veio‑me esta manhã, pela primeira vez, a ideia de que o meu corpo, este fiel companheiro, este amigo mais seguro, melhor conhecido por mim que a minha alma, não passa de um monstro dissimulado que acabará por devorar o seu dono. Basta… Amo o

meu corpo; serviu‑me bem e de todas as maneiras, e não lhe rega‑ teio os cuidados necessários. Mas já não conto, como Hermógenes pretende ainda fazer, com as virtudes maravilhosas das plantas e a dosagem exacta dos sais minerais que ele foi buscar ao Oriente. Este homem, aliás tão fino, dirigiu‑me vagas fórmulas de reconforto, excessivamente banais para enganarem alguém; ele bem sabe como eu odeio esse género de impostura, mas não é impunemente que se exerce a medicina durante mais de trinta anos. Perdoo a tão bom servidor esta tentativa de me esconder a minha morte. Hermó‑ genes é competente; é mesmo sábio; a sua probidade é muito su‑ perior à de um vulgar médico da corte. Terei a sorte de ser o mais bem tratado dos doentes. Mas ninguém pode ultrapassar os limites prescritos; as minhas pernas inchadas já me não aguentam as longas cerimónias romanas; sufoco; e tenho sessenta anos.»

À LUPA


 «Pela lei do doutor Ventura, o autor do golo da nossa vitória no Mundial de sub-17 não podia ser português».

Catarina Martins no debate televisivo com o presidente «daquela coisa».

MÚSICA PELA MANHÃ


 Poderá um não crente falar do Paraíso?

E o que é o Paraíso?

Jorge Luís Borges sempre imaginou o paraíso como uma espécie de Biblioteca.

Há dias, encontrei num número antigo da Seara Nova (nº 1447, Maio de 1966), um poema de André Frénaud traduzido por José Fernandes Fafe a que chamou Não Há Paraíso dedicado a Dylan Thomas que no decurso de uma conversa, imaginando e sonhando, tinha gritado: «Eu queria fazer ouvir a música do Paraíso»:

 

Não tenho o poder de ouvir

Não recebi o condão de imaginar

a música do ser

Alimenta-se de um não-amor

o meu amor

 

Só excitado pela recusa avanço

Leva-me nos seus grandes braços de vazio

O seu silêncio separa-me da minha vida

 

Ser serenamente a arder que eu cerco

Quando nos olhos enfim vou atingi-lo

já a sua chama os meus vazou

e transformou-se em cinzas

Depois

que importa o murmúrio miserável do poema

Que é nada, e não o paraíso


Vangelis compôs a música para o filme de Ridley Scott 1492: Conquista do Paraíso.

A cantora belga Dana Winner canta a canção Conquista do Paraíso.

É esta a nossa Música da Manhã.

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS

«Contei noutro lugar como e porquê me chamo Saramago. Que esse Saramago não era um apelido do lado paterno, mas sim a alcunha por que a família era conhecida na aldeia. Que indo o meu pai a declarar no Registo Civil da Golegã o nascimento do seu segundo filho, sucedeu que o funcionário (chamava-se ele Silvino) estava bêbado (por despeito, disso o acusaria sempre meu pai), e que, sob os efeitos do álcool e sem que ninguém se tivesse apercebido da onomástica fraude, decidiu, por sua conta e risco, acrescentar Saramago ao lacónico José de Sousa que meu pai pretendia que eu fosse. E que, desta maneira, finalmente, graças a uma intervenção por todas as mostras divina, refiro-me, claro está, a Baco, deus do vinho e daqueles que se excedem a bebê-lo, não precisei de inventar um pseudónimo para, futuro havendo, assinar os meus livros. Sorte, grande sorte minha, foi não ter nascido em qualquer das famílias da Azinhaga que, naquele tempo e por muitos anos mais, tiveram de arrastar as obscenas alcunhas de Pichatada, Curroto e Caralhana.

Entrei na vida marcado com este apelido de Saramago sem que a família o suspeitasse, e foi só aos sete anos, quando, para me matricular na instrução primária, foi necessário apresentar certidão de nascimento, que a verdade saiu nua do poço burocrático, com grande indignação de meu pai, a quem, desde que se tinha mudado para Lisboa, a alcunha desgostava. Mas o pior de tudo foi quando, chamando-se ele unicamente José de Sousa, como ver se podia nos seus papéis, a Lei, severa, desconfiada, quis saber por que bulas tinha ele então um filho cujo nome completo era José de Sousa Saramago. Assim intimado, e para que tudo ficasse no próprio, no são e no honesto, meu pai não teve outro remédio que proceder a uma nova inscrição do seu nome, passando a chamar-se, ele também, José de Sousa Saramago. Suponho que deverá ter sido este o único caso, na história da humanidade, em que foi o filho a dar o nome ao pai. Não nos serviu de muito, nem a nós nem a ela, porque meu pai, firme nas suas antipatias, sempre quis e conseguiu que o tratassem unicamente por Sousa.»

José Saramago em As Pequenas Memórias

sábado, 29 de novembro de 2025

POSTAIS SEM SELO

Os pássaros não conhecem fronteiras.

Autor desconhecido

CONVERSANDO

Uma velha história: há livros maus de que gosto, há livros bons de que não gosto. Os exemplos são muitos.

NOTÍCIAS DO CIRCO


 Antevia-se que fossem assim os debates sobre as eleições presidenciais, acima de tudo pela presença do presidente daquela coisa.

Seve, um viajante deste Cais, dizia-nos há poucos dias, que pior que os debates, são os comentários das televisões após os debates.

Tudo o que ele diz é fétido e exige urgentemente a descida à sanita para o banho purificador do autoclismo.

Aquela coisa nem merece o nosso ódio, nem o nosso combate, antes desprezo e a nossa tristeza.

É certo que a esquerda fez erros, “desfigurou as linhas do seu rosto”, como disse Sophia, mas o Tribunal Constitucional, ao permitir a existência «daquela coisa»,  cometeu um erro enorme, hipotecou o futuro, já não muito firme e claro, deste país.

A comunicação social, principalmente a televisiva, em prol dos «shares» ajudou – e de que maneira! – com o seu constante visionamento dos disparates, das mentiras daquela gente, à desbunda total.

Valham-nos os deuses de todo o Olimpo.

MEMÓRIA, ONDE ESTÁS?


«A necessidade de falsear a história para se ter uma “história” legitimadora do poder
No entanto, tenho uma sugestão construtiva aos autores deste livro: no dia 25 de Abril, centenas de milhares de pessoas saem à rua para o comemorar. Por que razão se fez uma parada militar e não uma manifestação, apelando aos portugueses para apoiarem a vossa visão do “farol” do 25 de Novembro? Não é por falta de meios, órgãos de comunicação social, autocarros,
influencers e bots
do Chega nas redes sociais para colocarem centenas de milhares de pessoas na rua. A não ser que só faltem os portugueses.»

José Pacheco Pereira no Público de hoje.

Legenda: fotografia do Arquivo da Ephemera

MÚSICA PELA MANHÃ


Foi a semana em que tivemos a boa notícia que estava a ser republicada a obra de José Rodrigues Miguéis.

Em Outubro de 2001 realizou-se, em Lisboa, um colóquio sobre a vida e obra de Miguéis. Raúl Hestnes Ferreira, filho mais velho do poeta José Gomes Ferreira, relatou algumas memórias dos tempos em que conviveu com o autor.

Cito este pormenor:

«Ainda hoje me lembro do entusiasmo e felicidade com que ouvia a Sinfonia Brinquedo de Haydn, começando a dançar e arrastando todos os outros em fila.»

É essa obra de Haydn que será, hoje, a nossa Música pela Manhã.

O disco encontra-se na Biblioteca da Casa e faz parte de «Os Clássicos do meu Pai»


sexta-feira, 28 de novembro de 2025

POSTAIS SEM SELO

Uma ponte, uma grande ponte, nunca se vê

desde então, atravesso pontes que vão daqui ali, de nunca até sempre,

desde então, engenheiro do ar, construo a ponte inacabada entre o audível e o invisível

Octavio Paz em Árvore Adentro

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia. 

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


Não gosto de Fundações.

Em Junho de 2007, a Fundação José Saramago fez 18 anos.

 

Texto de Pilar del Río:

«As pessoas, quando nascem, desconhecem o seu destino; as instituições, por outro lado, quando são criadas têm já traçados os seus dias, modos e objetivos de tal forma que descumprir o programa planejado não é fracassar – ato humano – senão é, ou pode ser, um delito. As instituições nascem amparadas por um programa que devem cumprir, não nascem para ser felizes, como as pessoas, embora na origem de algumas instituições o objetivo da felicidade não esteja distante. Digamos que a Fundação José Saramago nasceu para combater o esquecimento, a insensatez, o desprezo a que os seres humanos estão condenados. Ou seja, no fundo nasceu para que o humaníssimo desejo de felicidade possa ser cumpridos não só na vida pessoal daqueles que a geraram, amamentaram, cuidaram e a levaram à maioridade que agora tem, os 18 anos que acaba de completar, vividos dia a dia, tantas vezes contras as marés mais inclementes lançadas por deuses que de mar – e de amar – sabem muito pouco.

Maioridade. Na tarde em que José Saramago aceitou a idéia que lhe foi sugerida por Fernando Gómez Aguilera de criar uma fundação que interpretasse a sua visão de mundo, ou seja, colocasse em marcha uma Fundação que tivesse em conta os seus desejos de vida digna para os seus semelhantes, naquela tarde, decisiva na vida de José Saramago, não se falou de datas, porque há projetos que não têm data de validade. Dizer, naquela época, 18 anos, talvez significasse pouco, mas agora sabemos que, dia a dia, 18 anos é muito, é um esforço invisível que penetra na terra como fertilizante, que está presente e que atua, não se reforma, nem ofende ou humilha, simplesmente repete as palavras de uma declaração de princípios que demonstra que o outro é importante, está aqui, que é nossa incumbência, e nela seguiremos.

A Fundação nasceu para compartilhar culturas e abrir espaços. Também para dizer, na hora certa e também fora de hora, que a Declaração dos Direitos Humanos é uma constituição suprema da humanidade e que enquanto houver pessoas sem teto, sem água, sem escola e sem cuidado médico, viveremos fora da ordem que deveria governar o mundo; e que se permitimos que haja guerras, que a Terra esteja repleta de violência e genocídios (ostensíveis ou silenciosos), é porque aquilo que nos diferencia dos outros seres vivos, o uso da razão e a potência da consciência, desapareceu do planeta. O que levaria a retirar do dicionário e da vida o conceito de dignidade e colocar no seu lugar o “salve-se quem puder” que cada dia está mais em voga.

A Fundação nasceu para contrariar esse modelo, também para ser eco das melhores vozes que existem. Música, teatro, poesia encheram a casa central da Fundação e se espalharam pelo mundo como mensagem de convivência e reconhecimento, cumprindo assim o que está escrita na certidão de nascimento da fundação. A Declaração Universal de Deveres Humanos, projeto irrenunciável que obriga as pessoas, a sociedade e as instituições, tem um passo lento mas permanente. “A vida”, dizem, “já é muito difícil para assumirmos mais deveres”, e não é assim, pelo contrário, se todos estivéssemos implicados com a defesa do meio ambiente, do trabalho que se realiza, do lugar no mundo de todos e de cada um, a existência seria mais agradável para os mais de oito mil milhões de seres humanos que integramos o arquipélago Terra. Existem projetos para que a vida não seja este desespero, a Fundação conhece-os e expande-os, essa é a sua obrigação, nisso militamos. A Fundação José Saramago, que agora completa 18 anos, nasceu para ser, humildemente, uma proposta que enaltece as pessoas, culturas, vozes, projetos e vontades que lutam para superar a cegueira da razão. Seu âmbito de ação é o universo e o coração dos seres humanos. A Fundação é um lugar e um espaço, tem obrigações irrenunciáveis e um mestre. Não é pretensão chamar mestre a José Saramago se, dia a dia, ao ler os seus livros, descobrimos novas generosidades, que é o material de que está feita a Fundação e que define aqueles que a mantêm. Passaram 18 anos desde o dia fundacional. Seguimos.»

À LUPA

1.


As autoridades de combate à corrupção da Ucrânia estão a realizar buscas em casa do poderoso chefe de gabinete de Volodymyr Zelensky, Andrii Yermak.

2.
Em França, o chefe do estado maior do exército afirmou que as famílias deviam estar preparadas para perderem os filhos na guerra.

3.

Que polícias portugueses, donos de propriedades e estufas no Alentejo, escravizavam, perseguiam, mal tratavam, centenas de trabalhadores imigrantes, a viverem em condições abaixo da miséria mais miserável que se possa imaginar.

4.

No Fundão, 11 bombeiros voluntários da Associação Humanitária de Bombeiros,  foram detidos por, numa estranha e patética praxe, terem violado, sexualmente, um jovem recruta.

5.

Que, Hugo Soares, o chefe parlamentar do PSD, disse:

«Portugal está melhor, mas os portugueses também estão».

 

Que mundo maravilhoso!!!!!!

REOLHARES

RELACIONADOS

Publicado em 17 de Julho de 2020

Há uma frase de José Rodrigues Migueis que José Gomes Ferreira citou em A Memória das Palavras:

«Os sonhos da juventude, realizam-se sempre. Se não aos trinta, aos quarenta anos… ou aos cinquenta… ou aos sessenta… mas realizam-se sempre… A questão está em querê-lo bem do fundo da teima dos ossos!»

Exilado nos Estados Unidos, José Rodrigues Miguéis, mesmo longe, assistiu à queda da ditadura, viu a cor da liberdade, como poetizou Jorge de Sena.

Morreu em Nova Iorque no dia 27 de Outubro de 1980.

Tinha 78 anos.

«Muitas vezes me perguntaram, porque é que não regresso? Talvez porque nunca cheguei a partir.»

Por vontade expressa as suas cinzas vieram para Portugal onde chegaram em Maio de 1981 e tal como escreveu em A Escola do Paraíso:

«Não se pode ter nascido ali, viver a ver chegar e partir navios todos os dias, com um rasto de lágrimas e o esvoaçar de adeuses no azul, nem ouvir noite e dia estas vozes, sem ficar impregnado de irremediável nostalgia. Tudo isto, o rio imenso, os cais, o mar, os horizontes, se integra nele e ficará para sempre dentro dele como um apelo de longe e uma saudade, anseio de partir e de voltar: quando? e  para onde?»

Digo-o com mágoa, muita mesmo: José Rodrigues Miguéis está praticamente esquecido.

E é uma pena que não seja lido.

Segundo uma nota final que escreveu, Miguéis diz-nos que começou a escrita de O Milagre Segundo Salomé, sentado numa mesa d’A Brasileira do Chiado «Junto à porta, e sozinho como quase sempre, eu tenha tomado num papelinho de acaso a primeira nota para uma cena que viria a ser germe e fulcro do romance: «Onde a lava transborda,»

Deu-o, provisoriamente, por terminado pelos anos cinquenta e recopiou-o, em forma final entre 1966 e 67. Deu-o a ler a Mário Castro, a quem o livro é dedicado, a Rogério Fernandes, José Saramago, Maria da Graça Amado da Cunha, Prof. Oliveira Marques, outros de que não recorda o nome e todos tiveram, além de reparos, palavras de encorajamento.

«Houve até quem me incitasse a publicá-lo em pleno caetanismo - -«É agora a altura!» - num surto de crença nas boas intenções de que está cheio o nosso pequeno inferno. Quanto a mim, era mais um Romance-para-a-Gaveta, como outros, menos felizes, que esperam drástica revisão.»

Ainda da nota final, que tenho vindo a citar:

«OMilagre Segundo Salomé não é um romance histórico: não pretende reconstituir factos ou acontecimentos nem evocar pessoas cuja realidade ou verdade será apenas a que uns e outras assumirem aos olhos do leitor; e os que se inspiram da realidade aparecem aqui transpostos, anacronizados, telescopados ou conjugados seguindo as conveniências da narrativa. Qualquer semelhança entre este «milagre» e algum milagre do mundo não ficcional, deve-se apenas a uma assimilação lógica ou formal, e não ao desejo de fazer proselitismo ou de rebater o segundo.»

Miguéis considerava-o o seu melhor livro, mas a publicação em 1975, durante o PREC, prejudicou fortemente a atenção que crítica e leitores lhe poderiam conceder, o que deixou Migueis profundamente desgostoso.

Mas é um livro extraordinário que retrata a sociedade lisboeta nos primeiros anos do século XX, a decadência dos ideais da Repúblca que originarão o 28 de Maio de 1926 e tudo o que se lhe seguiu.

José Rodrigues Migueis recusou sempre qualquer espírito de nacionalismo, mas tinha um enorme sentimento pelo País onde nasceu, e exigiu ser sepultado em Lisboa.

No topo do texto, o monumento que encima o local onde estão depositadas as suas cinzas.

Reproduz-se a noticia que o Diário de Lisboa, aquando da chegada dos restos mortais, publicou no dia 4 de Maio de 1981.

ERGO UMA ROSA...

Ergo uma rosa, e tudo se ilumina

Como a lua não faz nem o sol pode

Cobra de luz ardente e enroscada

Ou ventos de cabelos que sacode


Ergo uma rosa e grito a quantas aves

O céu pontuam de ninhos e de cantos

Bato no chão a ordem que decide

A união das trevas e dos santos.

 

Ergo uma rosa, um corpo e um destino

Contra o frio da noite que se atreve

E da seiva da rosa e do meu sangue

Construo eternidade em vida breve

 

Ergo uma rosa e deixo e abandono

Quanto me dói de mágoas e assombros

Ergo uma rosa sim e ouço a vida

Neste cantar das aves nos meus ombros.

 

José Saramago em Poemas Possíveis

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

POSTAIS SEM SELO


Viver é a coisa menos frequente do mundo.

A maior parte das pessoas existe e isso é tudo.

Joaquim Pessoa

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.

A RECORDAÇÃO DE UMA PERSONALIDADE EXTRAORDINÁRIA

«Conheci José Rodrigues Miguéis algum tempo depois de, no ano de 1959, ter começado a trabalhar na Editorial Estúdios Cor, de que eram proprietários, meio por meio, Manuel Correia e Fernando Canhão, e director literário Nataniel Costa. Miguéis havia publicado, um ano antes, o livro de contos e novelas Léah, excelentemente acolhido pelo público e pela crítica de então. Foi essa a primeira obra que li dele, e não necessito dizer que me entusiasmou. Não sei exactamente quando conheci Miguéis em pessoa, que por aqueles dias estaria nos Estados Unidos. O que, sim, sei, é que desde a narrativa Um homem sorri à morte com meia cara, publicada em 1959, até ao romance Nikalai! Nikalai!, que apareceria em 1971, passando por A Escola do Paraíso e O passageiro do Expresso, ambos de 1960, Gente da terceira classe, 1962, e É proibido apontar, 1964, os meus contactos com José Rodrigues Miguéis foram constantes, praticamente diários quando se encontrava em Portugal, frequentes, por carta, quando regressava aos Estados Unidos. Essa correspondência, que mereceu ser escolhida para a tese de doutoramento de José Albino Pereira (e no mesmo plano ponho a correspondência trocada com Jorge de Sena), dá-me o direito de dizer que não tenho feito má figura neste mundo. A minha relação epistolar com Miguéis só se rompeu quando saí da Editorial, nos finais de 1971. Vi-o algumas vezes, poucas, depois, não houve mais cartas, que eu recorde, mas ficou-me para sempre a recordação de uma personalidade extraordinária, com uns dons oratórios fora do comum e uma memória capaz de recriar em poucas palavras as situações mais complexas.

 Uma simples conversa com ele era um presente real, dialogar com a sua brilhante inteligência tornava mais inteligente o interlocutor. Pessoalmente, e sem querer gabar-me por isso, aproveitei desses momentos o melhor que pude. Morreu há quase trinta anos, mas recordo-o como se fosse ontem.»

José Saramago em O Caderno 2º volume

À LUPA


 «A comemoração solene dos 50 anos do 25 de Novembro exibiu alguns dos momentos mais pueris (é, claro, um eufemismo) da vida pública dos últimos tempos. Custa a entender como gente culta e inteligente como o Presidente, pessoas responsáveis como ministros e o primeiro-ministro, ou sensatas como o presidente da Assembleia da República, deixou associar os seus nomes a esse combate risível entre rosas brancas e cravos vermelhos. Como nas brigas dos recreios das escolas primárias, o que estava em causa eram coisas insignificantes como a posse de uma bola ou a conquista de um berlinde. Ninguém merece.

“Novembrismo”, a doença infantil do radicalismo
Em dezenas ou centenas de vezes, ouvimos pessoas de diferentes quadrantes políticos dizer que o 25 de Abril é a data primacial. Daqui para a frente, havia naturais diferenças de interpretação. No essencial, as pessoas minimamente moderadas, cultas e inteligentes sabiam contextualizar o 25 de Novembro como uma data importante, mas acessória, clarificadora ou correctora de Abril. Pelo meio, testemunhas da época como Rodrigo Sousa e Castro foram esclarecendo que Novembro contou enquanto ajuste de contas entre grupos militares. Que o derrube de Vasco Gonçalves após o Pronunciamento de Tancos de Setembro é que eliminou as veleidades revolucionárias da esquerda política e militar. Que o Grupo dos Nove travou o otelismo e o gonçalvismo para apontar a direcção do que esses “moderados” definiam como “revolução socialista” democrática. Que no dia 26 de Novembro a direita musculada foi derrotada ao não conseguir varrer do mapa o PCP.»

Manuel Carvalho no Público

Legenda: imagem do Record

NESTE DIA


 Neste dia, ano de 1967, o tempo em que por Lisboa, arredores, aconteceram as terríveis cheias que a censura, enquanto pôde, foi escondendo, Mário Sacramento passou três dias em Lisboa, tendo sido convidado para assistir a uma recepção a Claude Roy, em casa do editor Lyon de Castro.

Na página 147 do seu Diário conta as dramáticas horas que viveu. Pelo meio tem uma frase dramática: «Cabeçalho no Janeiro: «Só o Benfica tem a bandeira a meia haste»… Desgraçado País!»


Nota do editor:

Para mais notícias sobre as inundações do ano de 1967 ver, neste blogue, a etiqueta «Inundações Lisboa 1967»

QUEM ME ROUBOU O TEMPO

quem me roubou o tempo que era meu
o tempo todo inteiro que sorria
onde o meu Eu foi mais limpo e verdadeiro
e onde por si mesmo o poema se escrevia

Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

POSTAIS SEM SELO


A serenidade é a maior virtude da inteligência.

José Rodrigues MiguéisPáscoa Feliz

Legenda: imagem Shorpy

SAÚDE-SE O REGRESSO DA OBRA DE JOSÉ RODRIGUES MIGUÉIS


No cinzentismo do quotidiano também aparecem gratas notícias:

A editora Assírio & Alvim vai publicar a Obra Completa de José Rodrigues Miguéis, e começam com Léah  e Um Homem Sorri à Morte com Meia Cara.

A juntar a esta notícia, a publicação pela Âncora Editora de uma biografia de José Rodrigues Miguéis da autoria de Teresa Martins Marques.

Sinopse da Editora:

«Nos Passos de José Rodrigues Miguéis é uma biografia escrita como um romance, através de diálogos entre o escritor e a cientista Maria de Sousa, sua grande amiga e confidente, assentando no processo narrativo monologal, em forma diarística encenada de José Rodrigues Miguéis, e dialogal, em entrevista imaginária de Maria de Sousa ao escritor, temporalmente situada entre 25 de Abril de 1979 e 27 de Outubro de 1980, dia da sua morte.

Foram compulsados e citados numerosos fragmentos, de cartas inéditas de Miguéis a intelectuais e amigos. São igualmente citados excertos de crónicas, paratextos e aforismos, bem como excertos de cariz autobiográfico da sua obra ficcional. As 986 notas deste livro esclarecem a origem e veracidade de quanto aqui se narra.

O leitor ficará a conhecer uma vida repartida por várias geografias e ambientes desde Lisboa de princípio do século XX até Bruxelas nos anos 30 e Nova Iorque dos anos 30 até aos anos 80.

Foca-se não apenas a sua agitada vida privada, mas também a intervenção pública, na Seara Nova e no Núcleo de Ressurgimento Nacional, e também a recolha de fundos durante a Guerra Civil de Espanha.

Analisam-se as principais obras migueisianas com rigor científico, mas sem opacidades, tornando este livro útil a especialistas, nomeadamente pelo exaustivo levantamento bibliográfico, mas também ao leitor comum. Na Postumografia descrevem-se actividades ligadas à obra migueisiana, depois de 1980, bem como as vicissitudes da sua herança literária.»


 Legenda: José Rodrigues Miguéis a comprar jornais em Nova Iorque.

« Todas as manhãs, quando as dores físicas não me apoquentam, antes de dar início aos meus afazeres (de pobre escritor!), levo uma boa hora a reconciliar-me com a ideia de que me é indispensável continuar a viver.»

TRUMPALHADAS

Apenas os cegos-ceguinhos, que se recusam a ver o que quer seja, não admitem que o povo americano escolheu a pior coisa para seu presidente e para os destinos do mundo.

Para além de apenas ser um negociante do que quer que seja, é um ignorante-mor da política, do que é um povo, do que é o mundo, e o que ainda é bem pior: rodeou-se de gente ainda mais ignorante do que ele.

O que se está a passar com atentiva de por fim à guerra da Ucrânia é uma tragédia.

NOTÍCIAS DO CIRCO

«O retrato é o de um país onde o controlo da ação policial falha, a prevenção de abusos é insuficiente, e a exploração de imigrantes - mesmo com novas políticas de controlo em curso - continua um terreno fértil para redes criminosas, para omissões cúmplices e para uma economia que prefere não fazer perguntas incómodas».

Editorial de Valentina Marcelina no Diário de Notícias.

JEITO DE ESCREVER

Não sei que diga.
E a quem o dizer?
Não sei que pense.
Nada jamais soube.

Nem de mim, nem dos outros.
Nem do tempo, do céu e da terra, das coisas...
Seja do que for ou do que fosse.
Não sei que diga, não sei que pense.

Oiço os ralos queixosos, arrastados.
Ralos serão?
Horas da noite.
Noite começada ou adiantada, noite.
Como é bonito escrever!

Com este longo aparo, bonitas as letras e o gesto - o jeito.
Ao acaso, sem âncora, vago no tempo.
No tempo vago...
Ele vago e eu sem amparo.
Piam pássaros, trespassam o luto do espaço, este sereno luto das horas. Mortas!

E por mais não ter que relatar me cerro.
Expressão antiga, epistolar: me cerro.
Tão grato é o velho, inopinado e novo.
Me cerro!

Assim: uma das mãos no papel, dedos fincados,
solta a outra, de pena expectante.
Uma que agarra, a outra que espera...

Ó ilusão!
E tudo acabou, acaba.
Para quê a busca das coisas novas, à toa e à roda?

Silêncio.
Nem pássaros já, noite morta.
Me cerro.
Ó minha derradeira composição! Do não, do nem, do nada, da ausência e
solidão.

Da indiferença.
Quero eu que o seja! da indiferença ilimitada.
Noite vasta e contínua, caminha, caminha.
Alonga-te.
A ribeira acordou.


Irene Lisboa

terça-feira, 25 de novembro de 2025

POSTAIS SEM SELO


Habituei-me a calar a dor até não sentir nada. Acreditem. Nada.

Marta Cristina de Araújo em Os Meios de Transporte

Legenda: pintura de Edward Hopper

NOTÍCIAS DO CIRCO


 Preocupados com miudezas, o governo de Luís Montenegro com o ministro Antóbio Leitão Amaro à cabeça, segue todas as directizes do presidente «daquela coisa» e esquecem – esquecem mesmo? -  o que vai acontecendo no interior do país com os trabalhadores imigrantes?

Lido no Jornal de Notícias:

«Uma operação da Polícia Judiciária, que visa combater crimes de auxílio à imigração ilegal, levou, na manhã desta terça-feira, à detenção de dez militares da GNR e de um elemento da PSP, assim como empresários, na zona do Alentejo. Em causa estão os crimes de auxílio à imigração ilegal, falsificação, fraude fiscal e branqueamento de capitais.

De acordo com informações recolhidas, os dez militares e o agente da PSP são suspeitos de fazerem parte de um grupo que usava uma empresa de trabalho temporário, para explorar imigrantes em situação de fragilidade. Os elementos das forças de segurança seriam utilizados para coagir os imigrantes e forçá-los a trabalhar em condições de exploração. São suspeitos de prestarem uma espécie de serviço de segurança privada para controlar os imigrantes ilegais nas explorações agrícolas, e também nas residências por estes ocupadas.»

À LUPA

«A direita salazarista de hoje, entrincheirada no Chega, no CDS e em parte do PSD, reivindica o 25 de Novembro de 1975 como uma vitória contra o 25 de Abril. É uma pantomina de ignorância construída sobre a realidade histórica. Os militares moderados ganharam, a extrema-esquerda e a extrema-direita militares perderam. Quase um milhão de fervorosos ativistas da extrema-esquerda tiveram armas, mas não um chefe. Otelo recuou. A extrema-direita militar e política, que quis armar-se em torno de Jaime Neves para ilegalizar o PCP e todo o esquerdismo, também perdeu. Devemos a paz a Mário Soares e ao PS, que lideraram a luta nas ruas. Devemos a paz a militares como Costa Gomes, Ramalho Eanes e a todo o Grupo dos Nove, com Melo Antunes e Vasco Lourenço. Em certo sentido, devemos a paz a Cunhal e a Otelo, que souberam recuar. Mário Soares foi quem melhor percebeu que este país não teria futuro se não fosse promovida uma reconciliação que mitigasse as fraturas da história. Por isso reabilitou Spínola, respeitou sempre Cunhal, amnistiou Otelo. Um gigante político que faz muita falta neste tempo de gente medíocre, cuja memória devia obrigar o PS a assumir Novembro como data indissociável de Abril.»

Eduardo Dâmaso no Correio da Manhã 

OLHARES


 


Sophia Loren, numa fotografia de Agnés Varda, aparece, em parte, no anúncio do sabonete Lux.

A outra imagem mostra Elizabeth Taylor a dizer que também usa Lux.

CONVERSANDO


Há dias falei do sabonete Feno de Portugal, o sabonete da minha infância, mas o sabonete Lux será uma das maiores marcas do mundo, com existência a partir de 1924, e, talvez, em mais de 100 países existirão sabonetes Lux.

Muito terá contribuído uma campanha publicitária lançada em todo o mundo em que se podia ler que «9 em cada 10 estrelas de cinema usam Lux».

Dessas estrelas recordo-me de Sophia Loren, Marilyn Monroe, Raquel Walsh, Marlene Dietrich, Audrey Hepburn.                                                 

Amália Rodrigues também disse que usava Lux mas, suponho, que o anúncio se ficou entre as nossas fronteiras.

QUANDO SE VIR COM ÁGUA O FOGO ARDER

Quando se vir com água o fogo arder,
Juntar-se ao claro dia a noite escura,
E a terra colocada lá na altura
Em que se vêem os céus prevalecer;

Quando Amor à Razão obedecer,
E em todos for igual uma ventura,
Deixarei de ver tal formosura,
E de amar deixarei depois de a ver.

Porém não sendo vista esta mudança
No mundo, porque, enfim, não pode ver-se,
Ninguém vendar-me queira de querer-vos.

Que basta estar em vós minha esperança,
E o ganhar-se a minha alma ou o perder-se,
Para dos olhos meus nunca perder-vos.


Luís de Camões em Sonetos

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

POSTAIS SEM SELO


É impossível sublinhar livros no comboio. Ou por outra: possível é, mas as linhas saem tortas, oscilantes, canhestras. Há um grau mínimo de rigor e geometria para o sublinhador de livros. Sublinhados tortos parecem sugerir um pensamento torto. As linhas devem ser direitas como o comboio a sublinhar a paisagem.

Rui Manuel Amaral em Bicho Ruim

Legenda: Imagem Shorpy

OLHAR AS CAPAS


Educação e Ordem Social

Bertrand Russell

Tradução: Leónidas Gontijo de Carvalho

Companhia Nacional Editora, São Paulo, 1956

A religião é um fenómeno complexo que encerra um aspecto individual e social. No princípio dos tempos históricos, já era antiga: durante toda a história, o aumento da civilização esteve ligado a um decréscimo de religiosidade. As primeiras religiões, de que temos conhecimento, eram mais sociais do que individuais.

QUOTIDIANOS


Em cada fase da sua vida houvera um café, um lugar que era o complemento da casa, do quarto.

Ana Teresa Pereira

À LUPA

A Bélgica está a passar por três dias de greves nacionais devido às propostas de cortes orçamentais e reforma das pensões. As greves começaram esta segunda-feira com os transportes públicos, continuarão na terça-feira com os serviços públicos e terminarão na quarta-feira com uma greve geral que envolverá os sectores público e privado. Estas serão as maiores greves na Bélgica desde 1960. 

A UMAS FLORES AMARELAS

Encontro-as por acaso numa ilharga

sombria do caminho. São amarelas.

Reluzem como um sol que arda na noite.

 

Estas flores tão densamente de ouro,

eriçadas de estames que parecem

a pelagem dum gato posto à prova,

 

a mim, que me comovo com igrejas singelas

de preferência a grandes catedrais,

 

mostram um esplendor totalmente inesperado

neste chão de pedra que ninguém diria

poder florir assim.

 

Ó flores cujo nome desconheço,

prolongai esse fulgor humilde em cada dia

de que ainda disponho para ver as flores,

 

antes de as flores virem ter comigo.


A.M.Pires Cabral em Gaveta do Fundo

domingo, 23 de novembro de 2025

POSTAIS SEM SELO


...há momentos em que o mundo se nos oferece como paraíso

Teixeira de Pascoaes.

Imagem de Idílio Freire

OLHARES


Uma outra embalagem do Feno de Portugal, talvez do ano de 2010 ou anterior.

CONVERSANDO


 Os velhos anúncios a dizerem-nos que nove de cada dez estrelas usam LUX.

Por lá andaram Marlene Dietrich, Sophia Loren, Elizabeth Taylor, Audrey Hepburn, até a nossa Amália Rodrigues.

Mas venho por outro sabonete: O Feno de Portugal.

Nasci em 1945, o sabonete em 1930, e foi o meu sabonete nos primeiros dias de por aqui andar.

Ainda hoje ando com ele.


É daqueles produtos que não se esquecem. 

Neste caso pela particularidade do nome, é certo, mas também pelo bucolismo que foi transmitido nos anos 80 pelo anúncio televisivo onde uma jovem loura esvoaçava graciosamente no meio de feno, flores pelo, cores e aromas.

O slogan era: Feno de Portugal, o encanto da natureza.

 O grafismo da embalagem tem mudado, o aroma do sabonete do meu tempo de nascer, também.

Um aroma pode ficar na memória?

As mãos de minha mãe percorrendo o meu corpo?

O fim da vida que se vai aproximando, não lembrar o que almocei, mas sentir o cheiro do meu primeiro sabonete.

Gestos de puxa e empurra, memórias...

À LUPA


Com Moedas a cidade não funcionou.

Agora com os resultados recentemente obtidos, supõe-se que irá actuar nas áreas onde a cidade foi completamente esquecida, certo que alguns problemas que já vêm do tempo de António Costa, Fernando Medina, como a limpeza, os transportes públicos, o excesso de turismo e de alojamentos locais, a habitação, mas que com Moedas pioraram.

Mas já dá para ver que tudo, ou quase, ficará como dantes quartel-general-em-Abrantes.

As primeiras medidas caminharam para a aprovação de um novo regimento que limita os tempos de intervenção dos dos vereadores e dos deputados municipais, medidas aprovadas com o voto favorável do Chega e contra a posição dos restantes partidos de oposição, PS, Livre, BE, PCP. 

A discussão centrou-se na alteração das regras que regem o funcionamento das reuniões do executivo municipal, com o objetivo declarado pela maioria PSD/CDS-PP/IL/MPT/PPM.

SÍTIOS POR ONDE ELES ANDARAM


Terrenos onde nasceria a Expo 98.

MÚSICA PELA MANHÃ


 

Lido no blogue as Palavras São Armas, de Cid Simões:

«Procurei poemas de louvor ao 25 de novembro, procurei manifestações populares de regozijo por essa efeméride que uns tantos, não tontos, procuram comemorar, procurei canções, melodias de júbilo que dessem um pouco de alegria a esse dia cinzento-escuro, procurei escritores que nos seus textos exaltassem a data nado-morta, tísica flor estéril e de fétido odor.

A criatividade repele a data invernosa, a sensibilidade não encontra nela o mínimo sentido e na história já lhe abriram a sepultura.

O 25Abril não é só uma efeméride, é muito, muito mais, o 25Abril é emoção banhada por lágrimas de júbilo, clímax da alegria na libertação de um povo.»

Numa entrevista ao Público de 20 de Novembro, Rodrigo de Sousa e Castro: “No 25 de Novembro, não estivemos à beira da guerra civil”
Para o coronel Rodrigo de Sousa e Castro, o 25 de Novembro não tem dignidade histórica para se comparar com o 25 de Abril. A intentona de 25 de Novembro de 1975, aliás, não mudou nada — o Pronunciamento de Tancos (que contribuiu para a queda do V Governo Provisório, de Vasco Gonçalves, e alterou a composição do Conselho de Revolução), em Setembro, sim.
Rodrigo de Sousa e Castro: “No 25 de Novembro, não estivemos à beira da guerra civil”
Por outro lado, sem o golpe spinolista de 11 de Março de 1975, “não teria havido PREC”. Em termos militares, os moderados eram muito mais fortes do que os extremistas de esquerda, por isso, nunca teria havido uma guerra civil no 25 de Novembro, diz o antigo porta-voz do Conselho da Revolução. O Documento dos Nove, fundador do suposto golpe de direita, era, afinal, “um programa de esquerda”. E a direita e a extrema-direita, que tentaram fazer valer as suas causas no 25 de Novembro, perderam em toda a linha. Por isso, diz o coronel, não faz sentido que queiram agora comemorar o 25 de Novembro. Logo eles, que não conseguiram cumprir nenhum objectivo.»

Durante a ditadura salazarista, o poeta António Gedeão num poema, a que Manuel Freire colocou música, disse-nos que eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida, que sempre que um homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança.

Hoje, imensos jovens não sabem o que foi o 25 de Abril, muitos mais ainda, não sabem o que foi o 25 de Novembro.

A história do que foi o 25 de Novembro de 1975 ainda não está feita. Como se diz no Aqui de Setembro de 1976: «houve um golpe. É o mínimo em que há unanimidade de certezas.»

Diz a historiadora Raquel Varela,  25 de Abril de 2011:

«Embora o encontro entre Álvaro Cunhal e Melo Antunes a 25 de Novembro esteja documentado, a historiadora acredita que o acordo tenha decorrido alguns dias antes do golpe que pôs fim à crise político-militar e terminou com a duplicidade de poderes nas Forças Armadas. Até porque os Nove poderiam adivinhar que as unidades militares afectas ao PCP não deixariam de responder a uma insurreição militar, como acontecera a 28 de Setembro de 1974 e 11 de Março de 1975».

José Saramago que, muito bem sabia do que estava a falar, disse: «Perdeu-se em Portugal muita coisa desde o 25 de Novembro. Perdeu-se sobre tudo a vergonha».

Adelino Gomes no Público de 26 de Novembro de 2000:

«Quem desencadeou o 25 de Novembro? Quem deu ordem aos páras para ocuparem quatro bases aéreas? Otelo traiu os seus homens ou evitou a guerra civil? O PCP de que lado(s) esteve? Até onde chegavam as ligações ao MDLP? Quantos grupos funcionavam dento do Grupo dos Nove? Qual foi a mais decisiva: a Região Militar do Norte (RMN) ou a Região Militar sw Lisboa (RML)?; o posto Avançado da Amadora, comandado pelo então tenente-coronel Ramalho Eanes, ou o Posto de Comando Principal, montado em Belém, e onde ficaram o Presidente Costa Gomes e o comandante da RML, e Conselheito da Revolução, Vasco Lourenço? Quantos 25 de Novembro houve naquele dia?

0 25 de Novembro existiu?

«A actual situação de anarquia militar foi, em certa medida, fruto das nossas ilusões: nós acreditámos que se podia instalar no Exército uma estrutura política democrática. Enganámo-nos.»

Melo Antunes em 24 de Novembro de 1975.

«Todos, incluindo os palermas e ignorantes, têm direito a comemorar o "seu" 25 de Novembro. Foi para isso que se fez o 25  de Abril."

Sousa e Castro,capitão de Abril, Novembro de 2024.

«As pessoas esquecem-se do clima político da altura e de ter sido um plenário de trabalhadores do DN que saneou os 24. E, muito antes disso, uma direcção afecta ao PS tinha saneado, por exemplo, a poetisa Natércia Freire, responsável pelo suplemento literário do jornal e respeitada à esquerda e à direita. E depois do 25 de Novembro foram saneados centenas de profissionais da imprensa, rádio e televisão. Por isso, é melhor não andarmos a atirar pedras, pois não?»

David Lopes Ramos

«Há algo clarinho como os factos: a consciência de que no dia 25 de Abril de 1974 tudo mudou. O que era ditadura tornou-se projecto de democracia, o que era silêncio podia ser dito, o que era monólito tornou-se diversidade. Iniciou-se um processo, que ainda hoje não terminou, porque as democracias estão sempre em construção, mas a partir dessa data tudo ficou diferente. Tentar apoucar esta data, fazendo do 25 de Novembro a data da liberdade, é um erro histórico e uma lamentável forma de tentar dividir em vez de unir.
Que o CDS, que sempre perseguiu essa revisão, o fizesse ainda se consegue compreender historicamente. Já se estranha que uma força tão nova como a Iniciativa Liberal consiga equiparar a celebração do 25 de Novembro ao derrube da ditadura, como fez de forma lamentável o seu líder, mas a IL adora guerras culturais. Agora que o PSD, com toda a sua responsabilidade política, tenha proporcionado este palco a André Ventura é algo que se compreende muito mal e que o irá perseguir durante anos.»


Do editorial de Davis Pontes no  Público de 26 de Novembro de 2024

«Nesses avanços e recuos, o 25 de Novembro foi crucial para travar não uma “ditadura comunista” – o PCP continuou no governo e algumas das mais importantes nacionalizações são posteriores a Novembro –, mas sim o risco de um confronto entre fracções militares que se podia transformar numa guerra civil. Aliás, quando se confronta os defensores da versão “diabólica” do 25 de Novembro com as provas da participação comunista num golpe, não passam da “entrevista” de Cunhal a Oriana Fallaci, que qualquer pessoa que conheça o pensamento de Cunhal, com o que se sabe da estratégia do PCP nesses meses e da posição da URSS, sabe que ele não poderia ter dado aquelas respostas. Acresce que, quando confrontada com os desmentidos à sua “entrevista”, Fallaci prometeu divulgar as gravações, o que nunca aconteceu. O PCP tem muitas culpas no cartório no PREC, mas esta não tem.

Na verdade, os derrotados do 25 de Novembro são, a 25, a ala esquerdista ligada ao Copcon, que por razões intrinsecamente militares e corporativas sai à rua, ficando isolada e derrotada. A 26, os derrotados são outros, todos aqueles que queriam ilegalizar o PCP.»

José Pacheco Pereira no Público 23 de Novembro de 2024.