Eu gosto de delicadeza.
Seja nos gestos, nas palavras, nas ações, no jeito de olhar, no dia-a-dia e até
no que não é dito com palavras, mas fica no ar…
Manuel
Bandeira
Colaboração de Aida Santos
Eu gosto de delicadeza.
Seja nos gestos, nas palavras, nas ações, no jeito de olhar, no dia-a-dia e até
no que não é dito com palavras, mas fica no ar…
Manuel
Bandeira
Colaboração de Aida Santos
Também
as do político e jornalista Vitor Cunha Rego, «A pessoa preparar-se para a
morte é a grande finalidade da vida.»
Os
mortos só sabem uma coisa: é melhor estar vivo.
Gostar
de morrer sem dar por isso.
E
há aquele começo de Memórias de Adriano de Marguerite Yourcenar, uma
obra magnífica, lida as vezes precisas, não suficientes, para o compreender, e
em cada leitura sempre algo de novo, «como é que deixai passar isto na(s) outra(s)
leitura), onde tinha a cabeça?
«Meu caro Marco
Fui esta manhã a casa
de Hermógenes, o meu médico, que acaba de regressar à Villa depois de uma
viagem bastante longa pela Ásia. Devia ser observado em jejum; tínhamos marcado
a consulta para as primeiras horas da manhã. Deitei‑me num leito depois de ter
tirado o manto e a túnica. Poupo‑te a pormenores que te seriam tão
desagradáveis como a mim próprio, e à descrição do corpo de um homem que avança
na idade e se prepara para morrer de uma hidropisia do coração. Digamos apenas que
tossi, respirei e retive o fôlego conforme as indicações de Hermógenes,
alarmado, a seu pesar, pelos progressos tão rápidos do mal e disposto a
atribuir as culpas ao jovem Iolas, que me tratou durante a sua ausência. É difícil
permanecer imperador na presença de um médico e difícil também conservar a
qualidade de homem. O olho do prático só via em mim um montão de humores,
triste amálgama de linfa e de sangue. Veio‑me esta manhã, pela primeira vez, a
ideia de que o meu corpo, este fiel companheiro, este amigo mais seguro, melhor
conhecido por mim que a minha alma, não passa de um monstro dissimulado que
acabará por devorar o seu dono. Basta… Amo o
meu corpo; serviu‑me bem e de todas as maneiras, e não lhe rega‑ teio os cuidados necessários. Mas já não conto, como Hermógenes pretende ainda fazer, com as virtudes maravilhosas das plantas e a dosagem exacta dos sais minerais que ele foi buscar ao Oriente. Este homem, aliás tão fino, dirigiu‑me vagas fórmulas de reconforto, excessivamente banais para enganarem alguém; ele bem sabe como eu odeio esse género de impostura, mas não é impunemente que se exerce a medicina durante mais de trinta anos. Perdoo a tão bom servidor esta tentativa de me esconder a minha morte. Hermó‑ genes é competente; é mesmo sábio; a sua probidade é muito su‑ perior à de um vulgar médico da corte. Terei a sorte de ser o mais bem tratado dos doentes. Mas ninguém pode ultrapassar os limites prescritos; as minhas pernas inchadas já me não aguentam as longas cerimónias romanas; sufoco; e tenho sessenta anos.»
Catarina Martins no debate televisivo com o presidente «daquela coisa».
E
o que é o Paraíso?
Jorge
Luís Borges sempre imaginou o paraíso como uma espécie de Biblioteca.
Há
dias, encontrei num número antigo da Seara Nova (nº 1447, Maio de 1966), um
poema de André Frénaud traduzido por José Fernandes Fafe a que chamou Não Há
Paraíso dedicado a Dylan Thomas que no decurso de uma conversa, imaginando e
sonhando, tinha gritado: «Eu queria fazer ouvir a música do Paraíso»:
Não tenho o poder de
ouvir
Não recebi o condão de
imaginar
a música do ser
Alimenta-se de um
não-amor
o meu amor
Só excitado pela recusa
avanço
Leva-me nos seus
grandes braços de vazio
O seu silêncio
separa-me da minha vida
Ser serenamente a arder
que eu cerco
Quando nos olhos enfim
vou atingi-lo
já a sua chama os meus
vazou
e transformou-se em
cinzas
Depois
que importa o murmúrio
miserável do poema
Que é nada, e não o paraíso
Vangelis
compôs a música para o filme de Ridley Scott 1492: Conquista do Paraíso.
A
cantora belga Dana Winner canta a canção Conquista do Paraíso.
É esta a nossa Música da Manhã.
«Contei noutro lugar
como e porquê me chamo Saramago. Que esse Saramago não era um apelido do lado
paterno, mas sim a alcunha por que a família era conhecida na aldeia. Que indo
o meu pai a declarar no Registo Civil da Golegã o nascimento do seu segundo filho,
sucedeu que o funcionário (chamava-se ele Silvino) estava bêbado (por despeito,
disso o acusaria sempre meu pai), e que, sob os efeitos do álcool e sem que
ninguém se tivesse apercebido da onomástica fraude, decidiu, por sua conta e
risco, acrescentar Saramago ao lacónico José de Sousa que meu pai pretendia que
eu fosse. E que, desta maneira, finalmente, graças a uma intervenção por todas
as mostras divina, refiro-me, claro está, a Baco, deus do vinho e daqueles que
se excedem a bebê-lo, não precisei de inventar um pseudónimo para, futuro
havendo, assinar os meus livros. Sorte, grande sorte minha, foi não ter nascido
em qualquer das famílias da Azinhaga que, naquele tempo e por muitos anos mais,
tiveram de arrastar as obscenas alcunhas de Pichatada, Curroto e Caralhana.
Entrei na vida marcado com este apelido de Saramago sem que a família o suspeitasse, e foi só aos sete anos, quando, para me matricular na instrução primária, foi necessário apresentar certidão de nascimento, que a verdade saiu nua do poço burocrático, com grande indignação de meu pai, a quem, desde que se tinha mudado para Lisboa, a alcunha desgostava. Mas o pior de tudo foi quando, chamando-se ele unicamente José de Sousa, como ver se podia nos seus papéis, a Lei, severa, desconfiada, quis saber por que bulas tinha ele então um filho cujo nome completo era José de Sousa Saramago. Assim intimado, e para que tudo ficasse no próprio, no são e no honesto, meu pai não teve outro remédio que proceder a uma nova inscrição do seu nome, passando a chamar-se, ele também, José de Sousa Saramago. Suponho que deverá ter sido este o único caso, na história da humanidade, em que foi o filho a dar o nome ao pai. Não nos serviu de muito, nem a nós nem a ela, porque meu pai, firme nas suas antipatias, sempre quis e conseguiu que o tratassem unicamente por Sousa.»
José Saramago em As Pequenas Memórias
Uma velha história: há livros maus de que gosto, há livros bons de que não gosto. Os exemplos são muitos.
Seve, um viajante deste Cais, dizia-nos há poucos dias,
que pior que os debates, são os comentários das televisões após os debates.
Tudo o que ele diz é fétido e exige urgentemente a
descida à sanita para o banho purificador do autoclismo.
Aquela coisa nem merece o nosso ódio, nem o nosso
combate, antes desprezo e a nossa tristeza.
É certo que a esquerda fez erros, “desfigurou as
linhas do seu rosto”, como disse Sophia, mas o Tribunal Constitucional, ao
permitir a existência «daquela coisa»,
cometeu um erro enorme, hipotecou o futuro, já não muito firme e claro,
deste país.
A comunicação social, principalmente a televisiva, em
prol dos «shares» ajudou – e de que maneira! – com o seu constante visionamento
dos disparates, das mentiras daquela gente, à desbunda total.
Valham-nos os deuses de todo o Olimpo.
«A necessidade de falsear a história
para se ter uma “história” legitimadora do poder
No entanto, tenho uma sugestão construtiva aos autores deste livro: no dia 25
de Abril, centenas de milhares de pessoas saem à rua para o comemorar. Por que
razão se fez uma parada
militar e não uma manifestação, apelando aos portugueses para apoiarem a
vossa visão do “farol” do 25 de Novembro? Não é por falta de meios, órgãos de
comunicação social, autocarros, influencers e bots
do Chega nas redes sociais para colocarem centenas de milhares de pessoas na
rua. A não ser que só faltem os portugueses.»
José Pacheco Pereira no Público de hoje.
Legenda: fotografia do Arquivo da Ephemera
Foi
a semana em que tivemos a boa notícia que estava a ser republicada a obra de
José Rodrigues Miguéis.
Em
Outubro de 2001 realizou-se, em Lisboa, um colóquio sobre a vida e obra de
Miguéis. Raúl Hestnes Ferreira, filho mais velho do poeta José Gomes Ferreira,
relatou algumas memórias dos tempos em que conviveu com o autor.
Cito
este pormenor:
«Ainda
hoje me lembro do entusiasmo e felicidade com que ouvia a Sinfonia Brinquedo de
Haydn, começando a dançar e arrastando todos os outros em fila.»
É essa obra de Haydn que será, hoje, a nossa Música pela Manhã.
O disco encontra-se na Biblioteca da Casa e faz parte de «Os Clássicos do meu Pai»
Uma ponte, uma grande
ponte, nunca se vê
desde então, atravesso
pontes que vão daqui ali, de nunca até sempre,
desde então, engenheiro do ar, construo a ponte inacabada entre o audível e o invisível
Octavio Paz em Árvore Adentro
Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.
Não
gosto de Fundações.
Em Junho de 2007, a Fundação José Saramago fez 18 anos.
Texto de Pilar del Río:
«As pessoas, quando nascem, desconhecem o seu destino;
as instituições, por outro lado, quando são criadas têm já traçados os seus
dias, modos e objetivos de tal forma que descumprir o programa planejado não é
fracassar – ato humano – senão é, ou pode ser, um delito. As instituições
nascem amparadas por um programa que devem cumprir, não nascem para ser
felizes, como as pessoas, embora na origem de algumas instituições o objetivo
da felicidade não esteja distante. Digamos que a Fundação José Saramago nasceu
para combater o esquecimento, a insensatez, o desprezo a que os seres humanos
estão condenados. Ou seja, no fundo nasceu para que o humaníssimo desejo de
felicidade possa ser cumpridos não só na vida pessoal daqueles que a geraram,
amamentaram, cuidaram e a levaram à maioridade que agora tem, os 18 anos que
acaba de completar, vividos dia a dia, tantas vezes contras as marés mais
inclementes lançadas por deuses que de mar – e de amar – sabem muito pouco.
Maioridade. Na tarde em que José Saramago aceitou a
idéia que lhe foi sugerida por Fernando Gómez Aguilera de criar uma fundação
que interpretasse a sua visão de mundo, ou seja, colocasse em marcha uma
Fundação que tivesse em conta os seus desejos de vida digna para os seus
semelhantes, naquela tarde, decisiva na vida de José Saramago, não se falou de
datas, porque há projetos que não têm data de validade. Dizer, naquela época,
18 anos, talvez significasse pouco, mas agora sabemos que, dia a dia, 18 anos é
muito, é um esforço invisível que penetra na terra como fertilizante, que está
presente e que atua, não se reforma, nem ofende ou humilha, simplesmente repete
as palavras de uma declaração de princípios que demonstra que o outro é
importante, está aqui, que é nossa incumbência, e nela seguiremos.
A Fundação nasceu para compartilhar culturas e abrir
espaços. Também para dizer, na hora certa e também fora de hora, que a
Declaração dos Direitos Humanos é uma constituição suprema da humanidade e que
enquanto houver pessoas sem teto, sem água, sem escola e sem cuidado médico,
viveremos fora da ordem que deveria governar o mundo; e que se permitimos que
haja guerras, que a Terra esteja repleta de violência e genocídios (ostensíveis
ou silenciosos), é porque aquilo que nos diferencia dos outros seres vivos, o
uso da razão e a potência da consciência, desapareceu do planeta. O que levaria
a retirar do dicionário e da vida o conceito de dignidade e colocar no seu
lugar o “salve-se quem puder” que cada dia está mais em voga.
A Fundação nasceu para contrariar esse modelo, também
para ser eco das melhores vozes que existem. Música, teatro, poesia encheram a
casa central da Fundação e se espalharam pelo mundo como mensagem de
convivência e reconhecimento, cumprindo assim o que está escrita na certidão de
nascimento da fundação. A Declaração Universal de Deveres Humanos, projeto
irrenunciável que obriga as pessoas, a sociedade e as instituições, tem um
passo lento mas permanente. “A vida”, dizem, “já é muito difícil para
assumirmos mais deveres”, e não é assim, pelo contrário, se todos estivéssemos
implicados com a defesa do meio ambiente, do trabalho que se realiza, do lugar
no mundo de todos e de cada um, a existência seria mais agradável para os mais
de oito mil milhões de seres humanos que integramos o arquipélago Terra.
Existem projetos para que a vida não seja este desespero, a Fundação conhece-os
e expande-os, essa é a sua obrigação, nisso militamos. A Fundação José
Saramago, que agora completa 18 anos, nasceu para ser, humildemente, uma
proposta que enaltece as pessoas, culturas, vozes, projetos e vontades que
lutam para superar a cegueira da razão. Seu âmbito de ação é o universo e o
coração dos seres humanos. A Fundação é um lugar e um espaço, tem obrigações
irrenunciáveis e um mestre. Não é pretensão chamar mestre a José Saramago se,
dia a dia, ao ler os seus livros, descobrimos novas generosidades, que é o
material de que está feita a Fundação e que define aqueles que a mantêm.
Passaram 18 anos desde o dia fundacional. Seguimos.»
1.
As autoridades de combate à corrupção da Ucrânia estão a realizar buscas em
casa do poderoso chefe de gabinete de Volodymyr Zelensky, Andrii Yermak.
2.
Em França, o chefe do estado maior do exército afirmou que as famílias deviam
estar preparadas para perderem os filhos na guerra.
3.
Que
polícias portugueses, donos de propriedades e estufas no Alentejo,
escravizavam, perseguiam, mal tratavam, centenas de trabalhadores imigrantes, a viverem em
condições abaixo da miséria mais miserável que se possa imaginar.
4.
No
Fundão, 11 bombeiros voluntários da Associação Humanitária de Bombeiros, foram detidos por, numa estranha e patética praxe,
terem violado, sexualmente, um jovem recruta.
5.
Que,
Hugo Soares, o chefe parlamentar do PSD, disse:
«Portugal
está melhor, mas os portugueses também estão».
Que
mundo maravilhoso!!!!!!
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Publicado em 17 de Julho de 2020
Há uma frase de José Rodrigues Migueis que José Gomes Ferreira citou em A Memória das Palavras:
«Os sonhos da juventude, realizam-se sempre. Se não aos trinta, aos quarenta anos… ou aos cinquenta… ou aos sessenta… mas realizam-se sempre… A questão está em querê-lo bem do fundo da teima dos ossos!»
Exilado nos Estados Unidos, José Rodrigues Miguéis, mesmo longe, assistiu à queda da ditadura, viu a cor da liberdade, como poetizou Jorge de Sena.
Morreu em Nova Iorque no dia 27 de Outubro de 1980.
Tinha 78 anos.
«Muitas vezes me perguntaram, porque é que não regresso? Talvez porque nunca cheguei a partir.»
Por vontade expressa as suas cinzas vieram para Portugal onde chegaram em Maio de 1981 e tal como escreveu em A Escola do Paraíso:
«Não se pode ter nascido ali, viver a ver chegar e partir navios todos os dias, com um rasto de lágrimas e o esvoaçar de adeuses no azul, nem ouvir noite e dia estas vozes, sem ficar impregnado de irremediável nostalgia. Tudo isto, o rio imenso, os cais, o mar, os horizontes, se integra nele e ficará para sempre dentro dele como um apelo de longe e uma saudade, anseio de partir e de voltar: quando? e para onde?»
Digo-o com mágoa, muita mesmo: José Rodrigues Miguéis está praticamente esquecido.
E é uma pena que não seja lido.
Segundo uma nota final que escreveu, Miguéis diz-nos que começou a escrita de O Milagre Segundo Salomé, sentado numa mesa d’A Brasileira do Chiado «Junto à porta, e sozinho como quase sempre, eu tenha tomado num papelinho de acaso a primeira nota para uma cena que viria a ser germe e fulcro do romance: «Onde a lava transborda,»
Deu-o, provisoriamente, por terminado pelos anos cinquenta e recopiou-o, em forma final entre 1966 e 67. Deu-o a ler a Mário Castro, a quem o livro é dedicado, a Rogério Fernandes, José Saramago, Maria da Graça Amado da Cunha, Prof. Oliveira Marques, outros de que não recorda o nome e todos tiveram, além de reparos, palavras de encorajamento.
«Houve até quem me incitasse a publicá-lo em pleno caetanismo - -«É agora a altura!» - num surto de crença nas boas intenções de que está cheio o nosso pequeno inferno. Quanto a mim, era mais um Romance-para-a-Gaveta, como outros, menos felizes, que esperam drástica revisão.»
Ainda da nota final, que tenho vindo a citar:
«OMilagre Segundo Salomé não é um romance histórico: não pretende reconstituir factos ou acontecimentos nem evocar pessoas cuja realidade ou verdade será apenas a que uns e outras assumirem aos olhos do leitor; e os que se inspiram da realidade aparecem aqui transpostos, anacronizados, telescopados ou conjugados seguindo as conveniências da narrativa. Qualquer semelhança entre este «milagre» e algum milagre do mundo não ficcional, deve-se apenas a uma assimilação lógica ou formal, e não ao desejo de fazer proselitismo ou de rebater o segundo.»
Miguéis considerava-o o seu melhor livro, mas a publicação em 1975, durante o PREC, prejudicou fortemente a atenção que crítica e leitores lhe poderiam conceder, o que deixou Migueis profundamente desgostoso.
Mas é um livro extraordinário que retrata a sociedade lisboeta nos primeiros anos do século XX, a decadência dos ideais da Repúblca que originarão o 28 de Maio de 1926 e tudo o que se lhe seguiu.
José Rodrigues Migueis recusou sempre qualquer espírito de nacionalismo, mas tinha um enorme sentimento pelo País onde nasceu, e exigiu ser sepultado em Lisboa.
No topo do texto, o monumento que encima o local onde estão depositadas as suas cinzas.
Reproduz-se a noticia
que o Diário de Lisboa, aquando da chegada dos restos mortais, publicou no
dia 4 de Maio de 1981.
Ergo uma rosa, e tudo se ilumina
Como a lua não faz nem
o sol pode
Cobra de luz ardente e
enroscada
Ou ventos de cabelos que sacode
Ergo uma rosa e grito a
quantas aves
O céu pontuam de ninhos
e de cantos
Bato no chão a ordem
que decide
A união das trevas e
dos santos.
Ergo uma rosa, um corpo
e um destino
Contra o frio da noite
que se atreve
E da seiva da rosa e do
meu sangue
Construo eternidade em
vida breve
Ergo uma rosa e deixo e
abandono
Quanto me dói de mágoas
e assombros
Ergo uma rosa sim e
ouço a vida
Neste cantar das aves
nos meus ombros.
José Saramago em Poemas Possíveis
Viver é a coisa menos
frequente do mundo.
A maior parte das pessoas existe e isso é tudo.
Legenda:
não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.
«Conheci José Rodrigues
Miguéis algum tempo depois de, no ano de 1959, ter começado a trabalhar na
Editorial Estúdios Cor, de que eram proprietários, meio por meio, Manuel
Correia e Fernando Canhão, e director literário Nataniel Costa. Miguéis havia
publicado, um ano antes, o livro de contos e novelas Léah, excelentemente
acolhido pelo público e pela crítica de então. Foi essa a primeira obra que li
dele, e não necessito dizer que me entusiasmou. Não sei exactamente quando
conheci Miguéis em pessoa, que por aqueles dias estaria nos Estados Unidos. O
que, sim, sei, é que desde a narrativa Um homem sorri à morte com meia
cara, publicada em 1959, até ao romance Nikalai! Nikalai!, que apareceria em
1971, passando por A Escola do Paraíso e O passageiro do
Expresso, ambos de 1960, Gente da terceira classe, 1962, e É proibido
apontar, 1964, os meus contactos com José Rodrigues Miguéis foram constantes,
praticamente diários quando se encontrava em Portugal, frequentes, por carta,
quando regressava aos Estados Unidos. Essa correspondência, que mereceu ser
escolhida para a tese de doutoramento de José Albino Pereira (e no mesmo plano
ponho a correspondência trocada com Jorge de Sena), dá-me o direito de dizer
que não tenho feito má figura neste mundo. A minha relação epistolar com
Miguéis só se rompeu quando saí da Editorial, nos finais de 1971. Vi-o algumas
vezes, poucas, depois, não houve mais cartas, que eu recorde, mas ficou-me para
sempre a recordação de uma personalidade extraordinária, com uns dons oratórios
fora do comum e uma memória capaz de recriar em poucas palavras as situações
mais complexas.
Uma simples conversa com ele era um presente real, dialogar com a sua brilhante inteligência tornava mais inteligente o interlocutor. Pessoalmente, e sem querer gabar-me por isso, aproveitei desses momentos o melhor que pude. Morreu há quase trinta anos, mas recordo-o como se fosse ontem.»
José
Saramago em O Caderno 2º volume
“Novembrismo”, a doença infantil do radicalismo
Em dezenas ou centenas de vezes, ouvimos pessoas de diferentes quadrantes
políticos dizer que o 25 de Abril é a data primacial. Daqui para a frente,
havia naturais diferenças de interpretação. No essencial, as pessoas
minimamente moderadas, cultas e inteligentes sabiam contextualizar o 25 de
Novembro como uma data importante, mas acessória, clarificadora ou correctora
de Abril. Pelo meio, testemunhas da época como Rodrigo Sousa e Castro foram
esclarecendo que Novembro contou enquanto ajuste de contas entre grupos
militares. Que o derrube de Vasco Gonçalves após o Pronunciamento de Tancos de
Setembro é que eliminou as veleidades revolucionárias da esquerda política e
militar. Que o Grupo dos Nove travou o otelismo e o gonçalvismo para apontar a
direcção do que esses “moderados” definiam como “revolução socialista”
democrática. Que no dia 26 de Novembro a direita musculada foi derrotada ao não
conseguir varrer do mapa o PCP.»
Manuel Carvalho no Público
Legenda: imagem do RecordNota
do editor:
Para
mais notícias sobre as inundações do ano de 1967 ver, neste blogue, a etiqueta «Inundações Lisboa 1967»
quem me roubou o tempo que era meu
o tempo todo inteiro que sorria
onde o meu Eu foi mais limpo e verdadeiro
e onde por si mesmo o poema se escrevia
Sophia de Mello Breyner Andresen
A serenidade é a maior
virtude da inteligência.
José
Rodrigues Miguéis, Páscoa
Feliz
Legenda:
imagem Shorpy
A editora Assírio & Alvim vai publicar a Obra Completa de José Rodrigues Miguéis, e começam com Léah e Um Homem Sorri à Morte com Meia Cara.
A
juntar a esta notícia, a publicação pela Âncora Editora de uma biografia de
José Rodrigues Miguéis da autoria de Teresa Martins Marques.
Sinopse da Editora:
«Nos Passos de José
Rodrigues Miguéis é uma biografia escrita como um romance, através de
diálogos entre o escritor e a cientista Maria de Sousa, sua grande amiga e
confidente, assentando no processo narrativo monologal, em forma
diarística encenada de José Rodrigues Miguéis, e dialogal, em entrevista
imaginária de Maria de Sousa ao escritor, temporalmente situada entre 25 de
Abril de 1979 e 27 de Outubro de 1980, dia da sua morte.
Foram compulsados e
citados numerosos fragmentos, de cartas inéditas de Miguéis a intelectuais e
amigos. São igualmente citados excertos de crónicas, paratextos e aforismos,
bem como excertos de cariz autobiográfico da sua obra ficcional. As 986 notas
deste livro esclarecem a origem e veracidade de quanto aqui se narra.
O leitor ficará a
conhecer uma vida repartida por várias geografias e ambientes desde Lisboa de
princípio do século XX até Bruxelas nos anos 30 e Nova Iorque dos anos 30 até
aos anos 80.
Foca-se não apenas a
sua agitada vida privada, mas também a intervenção pública, na Seara Nova e
no Núcleo de Ressurgimento Nacional, e também a recolha de fundos durante a
Guerra Civil de Espanha.
Analisam-se as principais obras migueisianas com rigor científico, mas sem opacidades, tornando este livro útil a especialistas, nomeadamente pelo exaustivo levantamento bibliográfico, mas também ao leitor comum. Na Postumografia descrevem-se actividades ligadas à obra migueisiana, depois de 1980, bem como as vicissitudes da sua herança literária.»
Legenda: José Rodrigues Miguéis a comprar
jornais em Nova Iorque.
« Todas
as manhãs, quando as dores físicas não me apoquentam, antes de dar início aos
meus afazeres (de pobre escritor!), levo uma boa hora a reconciliar-me com a ideia
de que me é indispensável continuar a viver.»
Apenas os cegos-ceguinhos, que se recusam a ver o que quer seja, não admitem que o povo americano escolheu a pior coisa para seu presidente e para os destinos do mundo.
Para
além de apenas ser um negociante do que quer que seja, é um ignorante-mor da
política, do que é um povo, do que é o mundo, e o que ainda é bem pior: rodeou-se
de gente ainda mais ignorante do que ele.
O
que se está a passar com atentiva de por fim à guerra da Ucrânia é uma tragédia.
«O retrato é o de um país onde o controlo da ação policial falha, a prevenção de abusos é insuficiente, e a exploração de imigrantes - mesmo com novas políticas de controlo em curso - continua um terreno fértil para redes criminosas, para omissões cúmplices e para uma economia que prefere não fazer perguntas incómodas».
Editorial
de Valentina Marcelina no Diário de Notícias.
Não sei que diga.
E a quem o dizer?
Não sei que pense.
Nada jamais soube.
Nem de mim, nem dos outros.
Nem do tempo, do céu e da terra, das coisas...
Seja do que for ou do que fosse.
Não sei que diga, não sei que pense.
Oiço os ralos queixosos, arrastados.
Ralos serão?
Horas da noite.
Noite começada ou adiantada, noite.
Como é bonito escrever!
Com este longo aparo, bonitas as letras e o gesto - o jeito.
Ao acaso, sem âncora, vago no tempo.
No tempo vago...
Ele vago e eu sem amparo.
Piam pássaros, trespassam o luto do espaço, este sereno luto das horas. Mortas!
E por mais não ter que relatar me cerro.
Expressão antiga, epistolar: me cerro.
Tão grato é o velho, inopinado e novo.
Me cerro!
Assim: uma das mãos no papel, dedos fincados,
solta a outra, de pena expectante.
Uma que agarra, a outra que espera...
Ó ilusão!
E tudo acabou, acaba.
Para quê a busca das coisas novas, à toa e à roda?
Silêncio.
Nem pássaros já, noite morta.
Me cerro.
Ó minha derradeira composição! Do não, do nem, do nada, da ausência e
solidão.
Da indiferença.
Quero eu que o seja! da indiferença ilimitada.
Noite vasta e contínua, caminha, caminha.
Alonga-te.
A ribeira acordou.
Irene Lisboa
Habituei-me a calar a dor até não sentir nada. Acreditem. Nada.
Marta Cristina de Araújo em Os Meios de Transporte
Legenda:
pintura de Edward
Hopper
Lido no Jornal de Notícias:
«Uma operação da
Polícia Judiciária, que visa combater crimes de auxílio à imigração ilegal,
levou, na manhã desta terça-feira, à detenção de dez militares da GNR e de um
elemento da PSP, assim como empresários, na zona do Alentejo. Em causa estão os
crimes de auxílio à imigração ilegal, falsificação, fraude fiscal e
branqueamento de capitais.
De acordo com informações
recolhidas, os dez militares e o agente da PSP são suspeitos de fazerem parte
de um grupo que usava uma empresa de trabalho temporário, para explorar
imigrantes em situação de fragilidade. Os elementos das forças de segurança
seriam utilizados para coagir os imigrantes e forçá-los a trabalhar em
condições de exploração. São suspeitos de prestarem uma espécie de serviço de
segurança privada para controlar os imigrantes ilegais nas explorações
agrícolas, e também nas residências por estes ocupadas.»
«A direita salazarista de hoje, entrincheirada no Chega, no CDS e em parte do PSD, reivindica o 25 de Novembro de 1975 como uma vitória contra o 25 de Abril. É uma pantomina de ignorância construída sobre a realidade histórica. Os militares moderados ganharam, a extrema-esquerda e a extrema-direita militares perderam. Quase um milhão de fervorosos ativistas da extrema-esquerda tiveram armas, mas não um chefe. Otelo recuou. A extrema-direita militar e política, que quis armar-se em torno de Jaime Neves para ilegalizar o PCP e todo o esquerdismo, também perdeu. Devemos a paz a Mário Soares e ao PS, que lideraram a luta nas ruas. Devemos a paz a militares como Costa Gomes, Ramalho Eanes e a todo o Grupo dos Nove, com Melo Antunes e Vasco Lourenço. Em certo sentido, devemos a paz a Cunhal e a Otelo, que souberam recuar. Mário Soares foi quem melhor percebeu que este país não teria futuro se não fosse promovida uma reconciliação que mitigasse as fraturas da história. Por isso reabilitou Spínola, respeitou sempre Cunhal, amnistiou Otelo. Um gigante político que faz muita falta neste tempo de gente medíocre, cuja memória devia obrigar o PS a assumir Novembro como data indissociável de Abril.»
Eduardo
Dâmaso no Correio da Manhã
Há dias falei do sabonete Feno de Portugal, o sabonete da minha infância, mas o sabonete Lux será
uma das maiores marcas do mundo, com existência a partir de 1924, e, talvez, em
mais de 100 países existirão sabonetes Lux.
Muito terá contribuído uma campanha publicitária
lançada em todo o mundo em que se podia ler que «9 em cada 10 estrelas de cinema usam Lux».
Dessas estrelas recordo-me de Sophia Loren, Marilyn Monroe, Raquel Walsh, Marlene Dietrich, Audrey Hepburn.
Amália Rodrigues também disse que usava Lux mas,
suponho, que o anúncio se ficou entre as nossas fronteiras.
Quando se vir com água
o fogo arder,
Juntar-se ao claro dia a noite escura,
E a terra colocada lá na altura
Em que se vêem os céus prevalecer;
Quando Amor à Razão obedecer,
E em todos for igual uma ventura,
Deixarei de ver tal formosura,
E de amar deixarei depois de a ver.
Porém não sendo vista esta mudança
No mundo, porque, enfim, não pode ver-se,
Ninguém vendar-me queira de querer-vos.
Que basta estar em vós minha esperança,
E o ganhar-se a minha alma ou o perder-se,
Para dos olhos meus nunca perder-vos.
Luís de Camões em Sonetos
Rui Manuel Amaral em Bicho Ruim
Legenda:
Imagem Shorpy
Educação e Ordem Social
Bertrand Russell
Tradução:
Leónidas Gontijo de Carvalho
Companhia
Nacional Editora, São Paulo, 1956
A religião é um fenómeno complexo que encerra um
aspecto individual e social. No princípio dos tempos históricos, já era antiga:
durante toda a história, o aumento da civilização esteve ligado a um decréscimo
de religiosidade. As primeiras religiões, de que temos conhecimento, eram mais
sociais do que individuais.
Em
cada fase da sua vida houvera um café, um lugar que era o complemento da casa,
do quarto.
Ana Teresa Pereira
A Bélgica está a passar por três dias de greves nacionais devido às propostas de cortes orçamentais e reforma das pensões. As greves começaram esta segunda-feira com os transportes públicos, continuarão na terça-feira com os serviços públicos e terminarão na quarta-feira com uma greve geral que envolverá os sectores público e privado. Estas serão as maiores greves na Bélgica desde 1960.
Encontro-as por acaso numa ilharga
sombria
do caminho. São amarelas.
Reluzem
como um sol que arda na noite.
Estas
flores tão densamente de ouro,
eriçadas
de estames que parecem
a
pelagem dum gato posto à prova,
a
mim, que me comovo com igrejas singelas
de
preferência a grandes catedrais,
mostram
um esplendor totalmente inesperado
neste
chão de pedra que ninguém diria
poder
florir assim.
Ó
flores cujo nome desconheço,
prolongai
esse fulgor humilde em cada dia
de
que ainda disponho para ver as flores,
antes
de as flores virem ter comigo.
A.M.Pires
Cabral em Gaveta do Fundo
Teixeira de Pascoaes.
Imagem
de Idílio
Freire
Os velhos anúncios a dizerem-nos que nove de cada dez estrelas usam LUX.
Por
lá andaram Marlene Dietrich, Sophia Loren, Elizabeth Taylor, Audrey Hepburn,
até a nossa Amália Rodrigues.
Mas
venho por outro sabonete: O Feno de Portugal.
Nasci
em 1945, o sabonete em 1930, e foi o meu sabonete nos primeiros dias de por
aqui andar.
Ainda hoje ando com ele.
É daqueles produtos que não se esquecem.
Neste caso pela particularidade do nome, é certo, mas também pelo bucolismo que foi transmitido nos anos 80 pelo anúncio televisivo onde uma jovem loura esvoaçava graciosamente no meio de feno, flores pelo, cores e aromas.
O slogan era: Feno de Portugal, o encanto da natureza.
O grafismo da embalagem tem mudado, o aroma do sabonete do meu tempo de nascer, também.
Um
aroma pode ficar na memória?
As
mãos de minha mãe percorrendo o meu corpo?
O
fim da vida que se vai aproximando, não lembrar o que almocei, mas sentir o
cheiro do meu primeiro sabonete.
Gestos de puxa e empurra, memórias...
Agora
com os resultados recentemente obtidos, supõe-se que irá actuar nas áreas onde a cidade foi
completamente esquecida, certo que alguns problemas que já vêm do tempo de António Costa,
Fernando Medina, como a limpeza, os transportes públicos, o excesso de turismo
e de alojamentos locais, a habitação, mas que com Moedas pioraram.
Mas
já dá para ver que tudo, ou quase, ficará como dantes
quartel-general-em-Abrantes.
As
primeiras medidas caminharam para a aprovação de um novo regimento que limita
os tempos de intervenção dos dos vereadores e dos deputados municipais, medidas
aprovadas com o voto favorável do Chega e contra a posição dos restantes
partidos de oposição, PS, Livre, BE, PCP.
A
discussão centrou-se na alteração das regras que regem o funcionamento das
reuniões do executivo municipal, com o objetivo declarado pela maioria
PSD/CDS-PP/IL/MPT/PPM.
Lido no blogue
as Palavras São Armas, de Cid Simões:
«Procurei poemas de louvor ao 25 de novembro,
procurei manifestações populares de regozijo por essa efeméride que uns tantos,
não tontos, procuram comemorar, procurei canções, melodias de júbilo que dessem
um pouco de alegria a esse dia cinzento-escuro, procurei escritores que nos
seus textos exaltassem a data nado-morta, tísica flor estéril e de fétido odor.
A criatividade repele a data invernosa, a
sensibilidade não encontra nela o mínimo sentido e na história já lhe abriram a
sepultura.
O 25Abril não é só uma efeméride, é muito, muito mais,
o 25Abril é emoção banhada por lágrimas de júbilo, clímax da alegria na
libertação de um povo.»
Numa entrevista
ao Público de 20 de Novembro, Rodrigo de Sousa e Castro: “No 25 de
Novembro, não estivemos à beira da guerra civil”
Para o coronel Rodrigo de Sousa e Castro, o 25 de Novembro não tem dignidade
histórica para se comparar com o 25 de Abril. A intentona de 25 de Novembro de
1975, aliás, não mudou nada — o Pronunciamento de Tancos (que contribuiu para a
queda do V Governo Provisório, de Vasco Gonçalves, e alterou a composição do
Conselho de Revolução), em Setembro, sim.
Rodrigo de Sousa e Castro: “No 25 de Novembro, não estivemos à beira da guerra
civil”
Por outro lado, sem o golpe spinolista de 11 de Março de 1975, “não teria
havido PREC”. Em termos militares, os moderados eram muito mais fortes do que
os extremistas de esquerda, por isso, nunca teria havido uma guerra civil no 25
de Novembro, diz o antigo porta-voz do Conselho da Revolução. O Documento dos
Nove, fundador do suposto golpe de direita, era, afinal, “um programa de
esquerda”. E a direita e a extrema-direita, que tentaram fazer valer as suas
causas no 25 de Novembro, perderam em toda a linha. Por isso, diz o coronel,
não faz sentido que queiram agora comemorar o 25 de Novembro. Logo eles, que
não conseguiram cumprir nenhum objectivo.»
Durante a
ditadura salazarista, o poeta António Gedeão num poema, a que Manuel Freire
colocou música, disse-nos que eles não sabem, nem sonham, que o sonho
comanda a vida, que sempre que um homem sonha o mundo pula e avança como bola
colorida entre as mãos de uma criança.
Hoje, imensos
jovens não sabem o que foi o 25 de Abril, muitos mais ainda, não sabem o que
foi o 25 de Novembro.
A história do
que foi o 25 de Novembro de 1975 ainda não está feita. Como se diz no Aqui
de Setembro de 1976: «houve um golpe. É o mínimo em que há unanimidade de
certezas.»
Diz a
historiadora Raquel Varela, 25 de Abril
de 2011:
«Embora o encontro entre Álvaro Cunhal e Melo Antunes
a 25 de Novembro esteja documentado, a historiadora acredita que o acordo tenha
decorrido alguns dias antes do golpe que pôs fim à crise político-militar e
terminou com a duplicidade de poderes nas Forças Armadas. Até porque os Nove
poderiam adivinhar que as unidades militares afectas ao PCP não deixariam de
responder a uma insurreição militar, como acontecera a 28 de Setembro de 1974 e
11 de Março de 1975».
José Saramago
que, muito bem sabia do que estava a falar, disse: «Perdeu-se em Portugal
muita coisa desde o 25 de Novembro. Perdeu-se sobre tudo a vergonha».
Adelino Gomes no
Público de 26 de Novembro de 2000:
«Quem desencadeou o 25 de Novembro? Quem deu ordem aos
páras para ocuparem quatro bases aéreas? Otelo traiu os seus homens ou evitou a
guerra civil? O PCP de que lado(s) esteve? Até onde chegavam as ligações ao
MDLP? Quantos grupos funcionavam dento do Grupo dos Nove? Qual foi a mais
decisiva: a Região Militar do Norte (RMN) ou a Região Militar sw Lisboa (RML)?;
o posto Avançado da Amadora, comandado pelo então tenente-coronel Ramalho
Eanes, ou o Posto de Comando Principal, montado em Belém, e onde ficaram o
Presidente Costa Gomes e o comandante da RML, e Conselheito da Revolução, Vasco
Lourenço? Quantos 25 de Novembro houve naquele dia?
0 25 de Novembro existiu?
«A actual situação de anarquia militar foi, em certa
medida, fruto das nossas ilusões: nós acreditámos que se podia instalar no
Exército uma estrutura política democrática. Enganámo-nos.»
Melo Antunes em 24 de Novembro de 1975.
«Todos, incluindo os palermas e ignorantes, têm
direito a comemorar o "seu" 25 de Novembro. Foi para isso que se fez
o 25 de Abril."
Sousa e Castro,capitão de Abril, Novembro de 2024.
«As pessoas esquecem-se do clima político da altura e
de ter sido um plenário de trabalhadores do DN que saneou os 24. E, muito antes
disso, uma direcção afecta ao PS tinha saneado, por exemplo, a poetisa Natércia
Freire, responsável pelo suplemento literário do jornal e respeitada à esquerda
e à direita. E depois do 25 de Novembro foram saneados centenas de
profissionais da imprensa, rádio e televisão. Por isso, é melhor não andarmos a
atirar pedras, pois não?»
David Lopes Ramos
«Há algo clarinho como os factos: a consciência de que no dia 25 de Abril de
1974 tudo mudou. O que era ditadura tornou-se projecto de democracia, o que era
silêncio podia ser dito, o que era monólito tornou-se diversidade. Iniciou-se
um processo, que ainda hoje não terminou, porque as democracias estão sempre em
construção, mas a partir dessa data tudo ficou diferente. Tentar apoucar esta
data, fazendo do 25 de Novembro a data da liberdade, é um erro histórico e uma
lamentável forma de tentar dividir em vez de unir.
Que o CDS, que sempre perseguiu essa revisão, o fizesse ainda se consegue
compreender historicamente. Já se estranha que uma força tão nova como a
Iniciativa Liberal consiga equiparar a celebração do 25 de Novembro ao derrube
da ditadura, como fez de forma lamentável o seu líder, mas a IL adora guerras
culturais. Agora que o PSD, com toda a sua responsabilidade política, tenha
proporcionado este palco a André Ventura é algo que se compreende muito mal e
que o irá perseguir durante anos.»
Do editorial de Davis Pontes no Público
de 26 de Novembro de 2024
«Nesses avanços e recuos, o 25 de Novembro foi crucial para travar não uma “ditadura comunista” – o PCP continuou no governo e algumas das mais importantes nacionalizações são posteriores a Novembro –, mas sim o risco de um confronto entre fracções militares que se podia transformar numa guerra civil. Aliás, quando se confronta os defensores da versão “diabólica” do 25 de Novembro com as provas da participação comunista num golpe, não passam da “entrevista” de Cunhal a Oriana Fallaci, que qualquer pessoa que conheça o pensamento de Cunhal, com o que se sabe da estratégia do PCP nesses meses e da posição da URSS, sabe que ele não poderia ter dado aquelas respostas. Acresce que, quando confrontada com os desmentidos à sua “entrevista”, Fallaci prometeu divulgar as gravações, o que nunca aconteceu. O PCP tem muitas culpas no cartório no PREC, mas esta não tem.
Na verdade, os derrotados do 25 de Novembro são, a 25,
a ala esquerdista ligada ao Copcon, que por razões intrinsecamente militares e
corporativas sai à rua, ficando isolada e derrotada. A 26, os derrotados são
outros, todos aqueles que queriam ilegalizar o PCP.»
José Pacheco
Pereira no Público 23 de Novembro de 2024.