terça-feira, 7 de setembro de 2010
O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?
De três ou quatro blogues de opinião que, diariamente, frequento, o “Delito de Opinião” encontra-se nesse número.
Este anúncio, da reposição de “O Grande Carnaval” de Billy Wilder, no saudoso "Monumental", e publicado no “Diário Popular" de 27 de Agosto de 1968, aguardava vez de publicação no “É Permitido Afixar Anúncios”.
Sai agora por causa de um brilhante texto que o jornalista Pedro Correia publicou no “Delito de Opinião”.
A cobertura jornalística, principalmente a televisiva, que é feita a casos como o da Casa Pia, coloca-me, amiúde, no limiar do vómito. Não informa e, essencialmente, não dignifica quem a faz e também quem a lê, ou a ela assiste.
“Os programadores televisivos portugueses – e já não falo dos nossos exibidores cinematográficos, pois essa é uma guerra há muito perdida – só podem andar muito distraídos. Se não andassem, já teríamos certamente visto num dos canais de TV em sinal aberto a reposição dessa obra-prima do cinema que é O Grande Carnaval (The Big Carnival), de Billy Wilder. Vem mesmo a propósito dessa história fascinante, que o mundo por estes dias acompanha com atenção, dos 33 mineiros chilenos soterrados a 700 metros de profundidade, no deserto do Atacama.Algo nesta história me faz lembrar irresistivelmente o enredo do filme de Wilder, que tem Kirk Douglas como protagonista. Também no filme um homem fica soterrado no subsolo, vivendo dias de profunda ansiedade na expectativa de ser socorrido. E também esse acontecimento, algures num lugarejo perdido do Novo México, ganha repercussão nacional.O filme funciona como uma poderosa crítica à imprensa sensacionalista no seu afã de encontrar “histórias com interesse humano” que possam vender papel. Douglas é um jornalista sem escrúpulos, chamado Chuck Tatum, que converte o drama do indivíduo encurralado debaixo da terra num grande espectáculo para consumo de massas. Mobiliza todos os meios que imagina para puxar à lágrima fácil e fazer acelerar a pulsação dos leitores. Chegando ao extremo de subornar algumas autoridades para retardar o resgate, de modo a que o filão não se esgote demasiado depressa.A história acaba mal, como cedo pressentimos, neste filme que devia ser visto e debatido em todos os cursos de jornalismo. Porque aqui se traça uma fronteira nítida entre jornalismo como serviço público, que jamais pode existir sem parâmetros éticos, e a contrafacção noticiosa, que manipula factos ao sabor de estratégias de baixo comércio, vigarizando o público.É um filme que interpela a consciência dos jornalistas – e de todos os consumidores de informação. Infelizmente, tornou-se um filme “invisível”: quem nunca o viu numa das antigas “noites de cinema” da RTP ou numa ocasional exibição na Cinemateca passa ao lado desta corrosiva sátira de Wilder, um cineasta que tinha uma visão desencantada do jornalismo. É pena. Porque o Chuck Tatum d’ O Grande Carnaval não passou de moda: ele continua aí, a criar mau “espectáculo” que faz passar por notícias. Se dependessem dele, os mineiros do Atacama tardariam o mais possível a ser socorridos. Para fazer render a história. E apelar mais ao drama. E chafurdar ainda mais na lama.
Imagem: Kirk Douglas em O Grande Carnaval (1951)”
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