quarta-feira, 8 de setembro de 2010

COSTA NOVA


Quando era miúdo adorava o Verão. Três meses de mergulhos na Costa Nova, três meses de futeboladas no areal molhado, três meses de namoricos com miúdas que chegavam à praia idas de sítios exóticos com Águeda, Bustos, Palhaça, New Bedford…
Três meses de banhos de mar de manhã, banhos de ria à tarde, de bolachinha americana, caranguejos pescados à linha com um pedaço de bacalhau ou apanhados à mão, três meses de sandes de Tulicreme de vala ou chocolate, de encontros debaixo da bola de Nivea e festinhas nos porões com música dos Genesis, Barclay James Harvest e por aí fora (Atenção: as casas de Ílhavo não têm caves – têm porões com cheiro a salmoura que rangem a noite inteira como um navio numa tempestade). Três meses com o mimo da minha avó, que nos ensinava orações católicas com letras de brincar para enganar os padres.
“Salve Rainha, salta para a vinha, aí vem o dono de uma vergastinha”…”
Terminava o Verão mais moreno e consolado do que um sultão das arábias. Foi na Costa que aprendi as coisas essenciais da vida: desapertar um soutien com a mão esquerda em menos de dez segundos, esmurrar um nariz com um golpe seco, enrolar um charro às escuras e contra o vento, marcar um penalti para a esquerda enquanto se olha para a direita, praguejar em alemão, estrelar um ovo, fintar a GNR, enfiar a isca num anzol sem furar um dedo. Essas coisas.
A minha Costa Nova é a da infância. Está na minha cabeça. Tem manhãs de nevoeiro, a ronca da Barra, chafarizes junto à água, água junto às casas, moliceiros e mercantéis na Ria, barracas de pano às tiras alinhadas até ao mar. Tem amonas e pirolitos, bailes no cinema velho, tendas de circo no largo do mercado, tem cheiro a urze e maraesia. Tem manhãs passadas no mar e tardes na “Biarritz” e amigos tão desinteressados que ainda hoje são meus amigos. A minha Costa Nova representa o doce delírio do primeiro amor.
A actual Costa Nova é só um lugar que tem o mesmo nome."

Rui Baptista, “Público”, s/d

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