quarta-feira, 1 de setembro de 2010

FESTINS NUM PAÍS SITIADO


Algum, possivelmente existia, mas, a esta distância, a memória que, há muito deixou de ser de elefante, não consegue vislumbrar qual.

Já que a papelada existe e, antes de seguir para a reciclagem, talvez não fosse despropósito dar conta, a título de mera curiosidade,do que para o “Diário Popular” - e não só! - foram motivo para páginas e páginas e desses “excitantes” dias.


Na sua edição de 10 de Agosto de 1968 o “Diário Popular” revelava, a toda a largura da sua 1ª página, que “importantes figuras do Gotha mundial (personalidades de “sangue azul”), os nomes mais sonantes da política, das finanças e da vida mundana, vêm a Portugal nos princípios de Setembro assistir a duas grandes festas: a primeira, no dia 4, na Quinta do Vinagre, em Colares,,onde reside o milionário Pierre Schlemberger; a segunda no dia 6, em Alcoitão, na quinta do milionário boliviano Antenor Patiño. As atenções da vida mundana internacional vão estar presas nessa altura do que se passar em Portugal.”


No Portugal de 1968 vivia-se em ditadura, jovens combatiam numa monstruosa guerra em África, existia a censura, uma feroz repressão, uma elevada taxa de analfabetismo, baixos salários , miséria e fome.


Um país amordaçado, sitiado, vigiado pelo medo.

A um povo triste e amorfo, falavam-lhe de festas de milionários que, segundo o "Diário Popular", eram "grandes amigos de Popular".

Esta é a 7ª página da edição do "Diário Popular" de 13 de Agosto de 1968:

Repare-se no pormenor de, ao lado das notícias sobre as festas milionárias, se ler um “Comunicado das Forças Armadas” dando conta da morte, em combate, de militares em Angola e Guiné.

Distracção? Habilidade da redacção, as tais entrelinhas para fugir à censura, colocando notícias em contraste?

Na edição de 14 de Agosto Vera Lagoa revelava quem era Madame Schlumberger”e deste modo terminava a “Bisbilhotice”:

“Não a vejo há muito tempo. Mas creio que ela continua a ser a mulher inteligente e bonita que eu conheci. De qualquer forma, ela é um título de orgulho para as mulheres portuguesas, agora que nos meios mundanos de todo o mundo, se fala na sua festa de 4 de Setembro.”Também ficávamos a saber que o fardamento escolhido pela Madame Schlumberger para o pessoal , era azul com botões de prata. Mais:que os Duques de Windsor já não vinham, desconhecendo-se os motivos da desistência . “A notícia causou compreensível decepção nos meios ligados às duas festas pois os Duques de Windsor eram os convidados de maior projecção que se deslocavam a Portugal.”Com um sugestivo título “Não Há Duas Sem Três”, o “Diário Popular”de 16 de Agosto dava a conhecer que “haverá uma terceira grande festa nos princípios de Setembro: realiza-se na quinta do industrial português dr. Manuel Vinhas, no próximo dia 5, no Zambujal. Após uma “tenta”, às 17,30 horas, seguir-se- á um jantar.” Estão convidados “as mais representativas individualidades portuguesas”, bem como os restos de convidados estrangeiros que sobrarem da festa dos Schlumberver e Patiño.

Dava-se nota de que “Madame Schlumberger tem-se mostrado “muito desagrada pelo interesse que a imprensa está a a dedicar à sua festa.” Mas que já dera convites para os repórteres e fotógrafos da revista “Vogue”.

Todos os outros ficam à porta a ver os convidados a passar.

(Para continuar)

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