quarta-feira, 26 de outubro de 2011

E AGORA, JOSÉ?


José Cardoso Pires.

A mãe, como os salmões, gostava de desovar a norte e, numa obscura aldeia beirã, São João do Peso, no concelho de Vila Real, nasceu, a 2 de Outubro de 1925, o mais o mais lisboeta dos escritores portugueses, intimo dos bares, da noite da cidade, cidade onde veio a morrer, na madrugada de 26 de Outubro do ano de 1998. Tinha 73 anos.

Ainda tentou dançar uma valsa lenta com a velha senhora mas, como sempre, ela foi mais forte.

De Profundis.

Em 50 anos escreveu dezoito livros que, hoje, a não ser os do costume, ninguém lê.

Não acredito nos resultados práticos de uma autor que se preocupa em escrever para as massas.

O que custa ma literatura é que só tarde demais se sabe se valeu a pena, disse-lhe um dia Luís Sttau Monteiro.

Para escrever refugiava-se na sua casa virada para o lastro mar da Costa da Caparica, onde, um dia, fritou uns tordos que Fernando Assis Pacheco, bom gostador, achou fantásticos.

Escrevo com dificuldade. Penso muito com o aparo (a definição vem do Óscar Lopes, não de mim próprio). De qualquer maneira, escrevo cada vez com maior dificuldade e não vejo que isto seja saudável, nem condição para se escrever bem, disse, numa entrevista a Baptista-Bastos, publicada em Fevereiro de 1967.

O seu romance O Delfim, antes de ser publicado, teve quatro versões.

No dia 18 de Agosto de 1967, no café Bocage, encontra José Gomes Ferreira (Dias Comuns, vol. III), manda vir um conhaque e desabafa com sinceridade transida:

- Há sete anos que não publico uma obra original e não queria reaparecer com um livro fraco…

(Sinceridade é o que não se consegue esconder de nós mesmos)

- Mas O Delfim? Estamos todos à espera do Delfim…

- Já fiz quatro versões… Mas cheguei à conclusão de que tenho de reescrevê-lo…

Fitei-o com ternura. Bom Cardoso Pires! Implacável consigo mesmo. Sôfrego de vida, de amor e de êxito – mas de êxito sem transigências literárias, baseado em livros puros.
Sôfrego de caça, de mulheres, de bons vinhos, de Whislies, de touros… Sôfrego de repetir os prazeres sagrados pelos outros até encontrar os próprios…

Eu com a sensação agradável de que o Cardoso Pires ainda não se habituou à fatalidade de ter talento. Ainda se espanta.

José Cardoso Pires: só lhe faltam mais alguns pequenos vícios para ser perfeito, escreveu Alexandre Pinheiro Torres.

António Lobo Antunes, amigos de grandes cumplicidades, desenhou um retrato, à la minuta, de José Cardoso Pires:

É difícil, num meio literário pequeno e acanhado, cheio de invejas e de intrigas, encontrar uma pessoa com uma postura ética em relação à vida, de uma lealdade, de uma coragem, de uma amizade cheia de pudor, e de um rigor como se encontra em José Cardoso Pires, o que faz com que ele seja, de facto, enquanto homem, um homem de uma qualidade muito rara.
Quase todos os seus livros são fábulas. Fábulas sobre o poder, e muitos deles mesmo têm a estrutura de um romance policial, o que é extremamente curioso. E, através de meios aparentemente económicos, através de uma escrita despida de adjectivos, de metáforas, de imagens, de uma escrita escrita no osso, de uma escrita escrita com o gume da faca, consegue dar-nos da vida e das pessoas uma imagem de um apuro artístico e de uma verdade humana difíceis de encontrar na literatura portuguesa de qualquer época.

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