sábado, 29 de outubro de 2011

POSTAIS SEM SELO


Durante as longas e chuvosas noites de inverno quando o vento uiva lá fora, minha mulher e eu jogamos às cartas. Jogamos em completo silêncio com os nossos corpos por aposta.
Mais ou menos meia hora depois, considero que já perdi o suficiente e levanto-me dizendo calmamente: «Não joguemos mais. Já não tenho mais nada a apostar. Já perdi todo o exterior do meu corpo». O interior quero guardá-lo.
Mas a minha mulher nunca consente isso. Ameaçadoramente obriga-me a continuar o jogo. E só paramos de jogar quando eu perco o meu corpo todo. Só as minhas doenças – dores de cabeça, constipações e todas as minhas febres – ficam do meu lado da mesa. Essas noites são de facto bastante tristes.

Ingemar Leckius, poeta sueco

Tradução de Ana Hatherly

Legenda: cena do filme Saraband de Ingmar Bergman (2003)

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