Quando Manuel da Fonseca, publica “Seara de Vento” encerra aí o seu grande percurso na prosa.
Segue-se um interregno de 10 anos, interrompido pela publicação do livro de contos “Um Anjo no Trapézio”.
Numa entrevista a Maria Teresa Horta publicada em “A Capital” de 20 de Junho de 1968 disse Manuel da Fonseca:
“Pouco depois de “Cerromaior”, escrevi um romance. Duzentas e tal páginas. Um sujeito que o leu, gostou. Eu não. Nem o publiquei. Agora, que já tinha “esquecido” o tal romance inédito, mas não as pessoas, nem os acontecimentos, dei-me à escrita, e as duzentas e tantas páginas ficaram reduzidas a quarente e nove. O título do conto é o mesmo do romance “Um Anjo no Trapézio”.
O livro foi muito mal recebido pela crítica.
Alice Vassalo Pereira escreveu no “Jornal do Fundão” de 28 de Julho de 1968:
“Manuel da Fonseca publica pouco. Sabemos isso. Temos dele meia dúzia de livros, e um longo silêncio de cerca de dez anos entre a publicação do último – “Seara de Vento” – e a de “Um Anjo no Trapézio” que surge agora nas nossas mãos. Um longo silêncio apenas povoado, de vez em quando de reedições e trabalhos dispersos por jornais. “Um Anjo no Trapézio” é a palavra de quebrar o silêncio.
Mas (infelizmente) para certos casos o silêncio continua a ser de oiro. E por vezes (agora) a palavra nem de pedra é…”
José Gomes Ferreira, nos seus “Dias Comuns”, 5º volume, no dia 14 de Junho de 1968 escreve esta entrada:
“O Manuel da Fonseca publicou um livro novo: “O Anjo no Trapézio.
Ainda não o li, mas gelou toda a gente.
O João José Cochofel:
- É muito mau… Com as palavras derretidas.
O Augusto Abelaira, a medo, com a delicadeza natural de não dizer mal dos ausentes:
- “O Fogo e as Cinzas” é um livro formidável.
O Carlos de Oliveira sacode a cabeça apavorado com esta verificação:
É terrível! Pode perder-se o talento!
Desgosto de família.
Damos os pêsames uns aos outros. Sinceros.”
Segundo Baptista-Bastos, Manuel da Fonseca, ter-lhe-á dito que nunca se devia publicar o que um autor não publicou em vida.
O certo é que, após a sua morte, têm sido publicados alguns livros.
À parte alguns lampejos – o título de um desses livros é uma pequena maravilha: “À Lareira, Nos Fundos da Casa Onde o Retorta tem o Café” - que lembram o melhor Manuel da Fonseca, os seus livros póstumos, revelam o mesmo desencanto que foi sentido aquando da publicação de “Um Anjo no Trapézio”.
Se bem que se possa compreender que os livros, pós “Seara de Vento” publicados pelo Manuel da Fonseca, tenham que ser enquadrados nas dificuldades monetárias em que ele que quase sempre viveu, já não se justifica os livros que, após a sua morte, têm descido à praça, os tais que, segundo o autor, nunca deviam ser publicados, mesmo que Urbano Tavares Rodrigues, mais por amizade e camaradagem do que por outro sentir, diga que não são livros menores.
Fica esta história contada pelo Baptista-Bastos, num texto, publicado no “Público”, após a morte de Manuel da Fonseca, e onde ressalta a dignidade que sempre o acompanhou:
Em outra ocasião, meados dos anos 50, as aflições de dinheiro levaram-no a tentar um emprego que lhe garantisse o arredondar da conta no final do mês. Falou com Aquilino Ribeiro, editorialista de “O Século” e da intimidade de João Pereira da Rosa. “Um lugarzito até como telefonista, na redacção do matutino”, foi a modesta solicitação. O encontro entre o todo-poderoso patrão de “O Século” e Manuel da Fonseca foi aprazado. E Manuel compareceu.
O gabinete de Pereira da Rosa era enorme, grave e intimidante, a condizer com o temperamento e o carácter do director do jornal. Pereira da Rosa recebeu-o com manifesta melancolia: “Sabe, senhor… como disse que se chamava? Manuel Fernandes? Luis da Fonseca? Sabe? A imprensa portuguesa está a atravessar uma crise medonha, terrível…” Manuel da Fonseca sentia-se muito pouco à vontade, mas escutava, atento e paciente, o estendal de misérias preocupantes. Dizia Pereira da Rosa: “Quando vou a Paris, e vou a Paris com frequência, coloco-me junto das saídas do metro, e que vejo? Vejo os franceses a comprar dois ou três jornais, duas ou três revistas, que lêem e atiram, depois, para o caixote do lixo. Em Madrid, em Barcelona, em Roma, a mesma coisa. Aqui é uma desgraça. Uma grande e dolorosa desgraça. As pessoas compram um jornal, por exemplo, à porta dos cafés, pagam metade do preço aos ardinas e, depois devolvem o exemplar, que vai para devoluções, claro, empobrecendo, cada vez mais, as empresas. Uma desgraça sem solução aparente, senhor Luís Fonseca ou Manuel, desculpe-me, não tenho boa memória para nomes…”
Lentamente, muito lentamente, Manuel da Fonseca ergeu-se da cadeira onde, discreto, estivera sentado. Meteu a mão no bolso, extraiu de lá a última nota de vinte escudos que possuía, estendeu-a a João Pereira da Rosa e disse: “Desculpe a modéstia da oferta, senhor Roseira da Prosa, mas é a esmola que lhe posso dar para acudir aos seus infortúnios.”
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