sábado, 29 de outubro de 2011

MEMÓRIA DE PITIGRILLI


Uma das mais antigas citações de livros que me recordo ter guardado, pertence a um livro de Pitigrilli: Dolicocéfala Loura. Li-o na edição que andava pela biblioteca do meu pai e que desapareceu - mais um! -  viajou até uma qualquer praia e nunca regressou.

Há tempos, numa dessas ocasionais feiras de saldos que acontecem no Mercado Da Ribeira, encontrei o livro que tem o título Loura Dolicocéfala.

É uma edição da Brasília Editora do Porto, composto e impresso na Tipografia Camões,
na Póvoa do Varzim, em Julho de 1973.

A versão portuguesa é de J. Silva Couto e a edição de J. Carvalho Branco, editor, que reserva todos os direitos para Portugal e Estados Portugueses do Ultramar.

A capa é simplesmente horrorosa, que, certamente, terá funcionado como chamariz.

A citação a que atrás me refiro é esta, aqui transcrita na versão de Silva Couto:

Minha filha, tens dezasseis anos, tens apetite, dormes bem, tens necessidade de movimento, és sadia, o teu cérebro está bem formado, as tua glândulas funcionam regularmente. Ouve-me: se puderes dispensar os machos, melhor; se não os puderes dispensar, não cometas tolices; mas se cometeres uma tolice não penses repará-la com um crime: deixa que a criança nasça; não te julgues descarada, não temas que eu te expulse. Vem procurar-me, dizer-me tudo, fica tranquila; se os outros te abandonarem e a sociedade te desaprovar, encontrarás em mim sempre em mim o homem que se compadece; serás ainda a minha filhinha.

Terei lido o livro pelos meus 14/15 anos mas tenho a lembrança que o pai de Juju também dizia à filha tens bons dentes, mas esse pormenor não aparece nesta edição.

A releitura do livro, deixou-me a estranha impressão de que o lera há meia dúzia de dias, tal a quantidade de citações que ainda lembrava.

Por mera curiosidade deixo-vos algumas:   

Ávido de silêncio tinha uma amigo surdo; quando se vive ao lado de um surdo, aprende-se como são poucas as coisas que merecem ser ditas.

Frequentava raramente as mulheres, esses maravilhosos seres, avessos ao raciocínio, que desabafam a própria cólera contra as coisas inanimadas e estão sempre na impossibilidade física de se calarem.

Nunca usava guarda-chuva. Dizia: Não há comparação entre o tempo durante o qual o guarda-chuva está a o meu serviço, e o tempo durante o qual estou eu ao serviço do guarda-chuva.

Quando estás só, actua como se alguém te observasse, e quando alguém te observa, faz com se estivesses só.

Um homem de alta sabedoria – disse o Marechal indicando o professor – mas é um matemático: os matemáticos submetem todos os factos do universo ao logaritmo e à raiz quadrada, como os médicos do século XVIII resolviam tudo com sangria e clister.

Bob tinha coisas a contar a Juju, o que a deixou sem tempo para falar de si. O ABC da psicologia ensina que à mulher nunca é preciso falarmos de nós, mas exclusivamente dela. Bob não era um psicólogo; era daqueles homens que renunciam a compreender as mulheres, como renunciaram a compreender a álgebra. Aliás a humanidade podia ter dispensado Diofante de Alexandria e Gustavo Flaubert.

O céu há-de castigá-la! como dizem aqueles que crêem em Deus e não querem gastar dinheiro com advogados.

Se uma criança tem uma frase feliz, não lhe digam que é divertida, se não querem que se torne insuportável; se uma mulher é inteligente, façam com que o não saiba.

Peço-te que desligues o aspirador. Esse zunido incomoda-me. A poeira não é mais do que a putrefacção seca das coisas, e a putrefacção é uma atitude da vida. É preciso respeitar a poeira. Gosto de falar contigo porque não compreendes nada. Uma vez tive um amigo surdo; vivendo-se ao lado de um surdo, aprende-se como são poucas as coisas que merecem ser ditas. Tens a mais bela forma de surdez, a inteligência. Não sabes se eu digo coisas loucas ou coisas sensatas, não é verdade?

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