É sempre uma grande chatice convencer o meu filho João, que tem sete anos, a fazer os trabalhos de casa. Ele diz que não precisa de estudar porque vai ser jogador de futebol.
Eu sei que o João não vai ser jogador de futebol, pois falta-lhe o talento para ser bem-sucedido na profissão que mais se valorizou no último quarto de século. Mas está a ser difícil convencê-lo disso.
Não estou triste por o meu filho não ser como o Bruno Silva, o miúdo de oito anos que depois de ter sido observado pelo Real Madrid acabou comprometido com o Benfica e o Sporting, uma trapalhada arranjada por um pai ganancioso.
Fico triste é por saber que no ano passado, só no concelho de Braga, 176 crianças abandonaram a escola primária para irem jogar futebol.
E também fico muito triste sempre que observo o comportamento de muitos pais nos torneios em que a equipa do meu filho João participa. Vivem o jogo dos miúdos como se tratasse da final das Champions e vestem a pele de Mourinho ao estarem permanente a gritar instruções aos filhos - "Sobe, sobe!", "Olha a marcação!", "Dá-lhe nas pernas."
Eu sei que a febre pelo futebol não é uma excentricidade nossa. É um fenómeno internacional. Mas em Portugal a febre já atingiu o patamar perigoso dos 40 graus. Está três graus acima do que seria desejável.
A cristiano-ronaldização de Portugal é excessiva e perniciosa. Como português não gosto de me olhar ao espelho e ver a cara do Cristiano Ronaldo, que o diário britânico Observer diz (talvez com razão) que é "a face de uma nação" (a nossa).
Até o futebolista Lisandro López já faz humor com o caso e numa entrevista ao La Nación, de Buenos Aires, afirmou: "O Ronaldo está em todos os cartazes da cidade, nas publicidades da televisão. Até o vês na sopa!"
O mais grave, para mim, é o Governo alimentar esta febre. No final de 2007, quando vieram a Lisboa assinar o novo tratado da UE, os líderes dos nossos 26 parceiros europeus deram com uma cidade decorada com outdoors gigantescos com a cara de Ronaldo.
No país que mais aposta no Euromilhões, é criminoso que o Governo eleja um futebolista como herói nacional. Para prosperar, Portugal precisa de mais conhecimento e de muito trabalho. Não podemos continuar dependentes do Euromilhões de Bruxelas e sonhar que haja petróleo em Alenquer. Os heróis que o Governo deveria apontar ao País deviam ser gente da estirpe de Belmiro de Azevedo, o filho de um carpinteiro que se tornou o maior empresário português, e não o de Cristiano Ronaldo que triunfou porque nasceu com bons genes.|
Jorge Fiel, crónica publicada no Diário de Notícias de 7 de Abril de 2008.
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