Foi quando, quase ao findar do dia, sentiu um enorme vazio, a sensação estranha de lhe estar a faltar qualquer coisa.
Parou, por um instante, deu voltas à cabeça. Não, não eram as medidas asfixiantes que o governo lhe impôs, nem outras que já vêm caminho, qualquer coisa de uma outra angústia que, no calor da noite, o asfixiava ainda mais.
De repente, fez-se luz:
Pela primeira vez, desde que o Euro 2012, no já um pouco distante dia 9 de Junho, começou, a televisão não transmitiu um jogo de futebol.
Entendeu melhor os brasileiros quando dizem que o futebol foi a razão para Deus descansar ao 7º dia.
Foi então que a poesia lhe trouxe a memória da infância:
ah a porta é tão vaga andrógina epicena e tudo é tão de pranto
tão frenético, tão simples e complicado
apesar de tudo amo esta grande aposta este repto
que me lançam vagamente
para sentir como se Kafka voltasse ao mundo para morrer de
novo incógnito
não esqueço nem os barcos da Nazaré nem o Benfica da Taça
Latina
o meu avô e o barrete e o copo de vidro grosso cheio de sarro
porque ainda aí o mal entendido da memória não se confun-
diu com salazarismo
- quem dera que lesses isto oh Ruy Belo
Poema de Levi Condinho em O Desporto na Poesia Portuguesa, antologia organizada por José do Carmo Francisco, Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, Lisboa 1989, capa de António Carmo.
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