No Jardim das Paixões Extintas
Álvaro Guerra
Capa: Henrique Cayatte
Publicações Dom Quixote, Lisboa Setembro 2002
Viver com o terror, sobreviver ao horror… Só os nossos olhos fechados para os outros, para os que vivem e sobrevivem entre os despojos e os desperdícios, só os nossos olhos cegos à beira do barranco nos mantêm no mundo que não vemos ou ignoramos. Das margens do Letes regressei, prometendo o bem enquanto durara a memória do medo e do sofrimento, íntimo de margens ignotas, de nítidas noites negras, definitivas, reavaliando o tempo perdido, o irremediável e a ténue vontade de reconstruir a alma contestada pelo despotismo da matéria.
Ao reencontrar, finalmente, o frio amável do primeiro dia claro, com a emoção do náufrago dando à praia, com promessas de muito boas obras e do resto dum futuro digno, sobretudo habitado pela mulher que me trazia do outro lado da vida., mão na mão, entrou-nos pela casa dentro o outro medo. Uma civilização começava a ruir, como uma atlântida a gerar o enigma. O medo era, portanto, uma boneca russa, cada medo escondendo o seguinte, até à última surpresa. E, então o sobrevivente que eu era recusou uma vez mais a morte, na mais recente roupagem do terror geral. Até à próxima.
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