A partir de hoje, com partida de Liége, na Bélgica, e chegada a Paris no dia 22 de Julho, começa a 99ª edição da Volta à França em Bicicleta.
Tirando o futebol, muito pouca coisa me leva a ficar grudado a olhar para a televisão.
Abro excepção para o Torneio de Ténis de Roland Garros, a Volta à França e, quando o Ayrton Senna ainda andava por cá, as corridas de Fórmula 1.
A partir de hoje, arranjo lugar cativo para olhar as reportagens transmitidas pelo Eurosport.
Apesar de toda a complicadíssima trama da dopagem que, nos últimos anos, tem envolvido o ciclismo, a Volta à França é sempre um acontecimento transcendente.
Novamente os vastos e lindíssimos campos de girassóis, os trabalhadores agrícolas que, momentaneamente, abandonam os trabalhos e vêm até à estrada ver afesta do Tour.
Os motivos alegóricos feitos para saudar a etapa que passa por aldeias e cidades.
Roger Vailland dizia que não se ganha a Volta a França sozinho, Joaquim Agostinho disse um dia, que não se sobem os Alpes e os Pirinéus a beber água do luso e a comer bifes.
Todos os anos o Tour acaba por disputar-se na ressaca de uma série de ciclistas que admitiram a utilização de substâncias dopantes. Não vale a pena tapar o sol com uma peneira mas, apesar disso, a festa acontece, e milhares guardam os seus dias de férias para, em caravanas e outros transportes, acompanharem o tour.
Há alturas na vida em que me lembro de ti, Charly Gaul.
A quem chamavam o “Anjo da Montanha”.
De bicicleta nunca subi o Tourmalet,
mas dei muitas vezes a volta à serra
e parava sempre em Almoçageme
para beber um laranjada na Pensão do Sisudo.
E que será feito de ti, Charly Gaul,
herói da minha adolescência com bicicletas
no sítio dos olhos?
Para mim nem Federico Bahamontes (de Toledo)
nem o francês Anquetil
nem mesmo o meu amigo José Manuel Fuente
conseguiram alpinar aos cornos da Lua porta com porta
com o teu coração luxemburguês.
Onde estarão agora esses pedias? Serás pedreiro?,
manga-de-alpaca?, vendedor de triciclos?,
fulano detal?, uma charrua ambulante?
Que será feito de ti?, anjo da montanha
dessas minhas tardes ventosas de Verão
quando descia às Arcadas para beber o “Mundo Desportivo”
(eram quatro rins) e saber como pedalavas a vida
Subindo a Volta à França.
Olha esta febre, Cahrly Gaul:
vejo cada vez menos a fugir do pelotão.
E podes dormir de rosa na boca:
se fosse possível voltares às bicicletas
continuarias a subir sozinho o Tourmalet.
Fernando Grade em O Vinho dos Mortos, Edições MIC, Maio de 1977.
Sem comentários:
Enviar um comentário