Sobre uma ária da Oratória de Natal de J.S. Bach
Ouvi o chamamento e respondi-lhe logo:
abandonei sem cálculo o aprisco e as ovelhas
pelo incerto prodígio para sempre clamado;
e vagueio turbado, não sei se longe ainda
desse menino anunciado pelo anjo,
da misteriosa graça prometida esta noite.
São cortantes e íngremes os carreiros que piso,
espessa e armadilhada treva onde caminho;
mas o maior inimigo dos meus passos
sou eu, receosos até deste silêncio,
trôpego por cicatrizes de quedas e de ofensas
que mantêm em mim a agressão dos anos idos.
Vão acusar-me, é certo, de seguir atrasado
os que disputam o ouro dos lugares dianteiros,
os poderosos, puros, nunca fora da lei
rígida e parcial feita por eles
para acossar e ferrar marginais como eu,
para quem os juízos são pardos, surdos, cegos.
Nem por isso deponho o meu desígnio:
se aquele apelo perturbou estes montes
distantes dos conluios de reis e sacerdotes,
é também para mim: feriu-me satisfaço-o,
pois infiltra em meu sangue o seu poder radioso
que fará do início desta busca o seu tremo.
Prosseguirei ao encontro desta revelação,
exausto e suspeitosos, eleito embora infame,
serenidade agora o susto em que acordei
ao duvidar se era um sonho a voz a erguer-me:
vejo serem verdade o menino e o curral,
o assombro e o júbilo da luz desta jornada.
José Bento em Resumo: a poesia em 2011, Assírio &Alvim Março 2012.
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