sábado, 16 de junho de 2012

O QU'E QUE VAI NO PIOLHO?


Já trouxe ao piolho um poema de Frank O’Hara, retirado do seu livro Vinte e Cinco Poemas à Hora do Almoço.

Trago-vos um outro.

Chama-se A Industria Cinematográfica em Crise e é retirado da Antologia da Novíssima Poesia Norte-Americana, publicada pela Futura, em 1973, com secção, tradução e prefácio de Manuel Seabra.

É uma deliciosa viagem pelo cinema americano, uma homenagem a todo esse fabuloso tempo: actrizes, actores, os filmes de uma vida.

Mas a César o que é de César.

Não tenho a antologia da Futura.

O poema encontrei-o, há muito tempo, num blogue e guardeio-o.

Reparo, agora, que não encontro o nome desse blogue.

Lamento bastante.

Não a vós, revistas intelectuais e periódicos especializados,
com as vossas incursões de alto nível à pomposidade das formigas;
não a ti, teatro experimental, em que Fruição Emotiva
se une a Visão Poética perpetuamente; não a ti,
Grande Ópera ao ar livre, óbvia como um ouvido (embora
estejas perto do meu coração); mas a ti, Indústria Cinematográfica,
é a ti que eu amo!

Em tempos de crise, todos temos que decidir constantemente a quem amamos,
E honrar a quem o merece: não para a minha governanta engomada, que me ensinou
como ser mau e não ser mau em vez de bom (e se apoderou ultimamente
ela própria desta informação);
não para a Legião Americana, que odeia toda a gente, mas para ti,
glorioso Ecrã de Prata, trágico Technicolor, amoroso Cinemascópio,
dilatada Vistavision e assustador Som Estereofónico com todas as
tuas celestiais dimensões e reverberações e iconoclasmos! Para
Jeanette MacDonald de cabelo e lábios em chama e pescoço comprido, comprido; para
Sue Carrol sentada para a eternidade no pára-choques avariado de um carro
a sorrir; para Ginger Rodgers com o seu canudo de pajem como uma salsicha
nos ombros irregulares; para Fred Astaire dos pés, com a sua voz de pêssego em almíscar; para
Eric Von Stroheim, o sedutor de esposas alpinistas e ofegantes; para os
Tarzans, todos e cada um (não consigo convencer-me a preferir
Johnny Weissmuller a Lex Barker, não consigo!) para Mae West num trenó coberto de peles,
para o seu esplendor de bordel e observações irónicas; para Rudolph Valentino da lua,
em paixões avassaladoras; e, lunar também, para a meiga Norma Shearer; para
Miriam Hopkins deixando cair a taça de champanhe do iate de Joel McCrea
e chorando para o mar listrado; para Clark Gable salvando Gene Tierney
da Rússia; e para Allan Jones salvando Kitty Carlisle de Harpo Marx; para
Cornel Wilde tossindo sangue nas teclas do piano enquanto Merle Oberon ralha; para
Marilyn Monroe nos seus pequenos saltos de agulha vagueando pelas cataratas do Niágara; para
Joseph Cotten intrigando e para Orson Welles intrigando; e para Dolores del Rio
comendo orquídeas ao almoço e partindo espelhos; para Gloria Swanson reclinando-se,
e para Jean Harlow reclinando-se e saracoteando-se e para Alice Faye reclinando-se
e saracoteando-se e cantando; para Mirna Loy sendo calma e sensata; para William Powell
na sua espantosa urbanidade; para Elisabeth Taylor florescendo, sim, para ela
e para todos os outros, os grandes, os quase grandes, os contratados, os extras
que passam rapidamente e voltam em sonhos dizendo as suas duas ou três linhas,
o meu amor!
Por longo tempo possais iluminar o espaço com as vossas maravilhosas actuações, atrasos,
e declarações, e que o dinheiro do mundo resplandecentemente vos cubra
quando descansais após um longo dia sob as lâmpadas kleig com os rostos
aos grupos para nossa edificação, da maneira como as nuvens vêm muitas vezes à noite
mas os céus operam no sistema estelar. É um divino precedente
que vós perpetuais! Girem, bobinas de celulóide, como a grande terra também gira!

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