sábado, 16 de agosto de 2014

LUIZ PACHECO, EDITOR


Os últimos anos de vida, Luiz Pacheco passou-os em Lares de Terceira Idade.

Um desses lares, penso que terá sido o primeiro, situava-se em Palmela:

Era um lar no meio de uma serra, com o ar puríssimo de Palmela, uma construção nova, em arco, sem vizinhança, sem casas à volta… Era muito bonito… Fui para lá logo quando aquilo começou… no início, a fase da promoção, serviam um bacalhau altíssimo, as torradas pareciam as das pastelarias da Baixa, dois andares de torradas, molhadas em manteiga, o café com leite vinha com dois pacotes de açúcar… depois, um dia começou a aparecer só um pacote, vieram as economias,,, as torradas passaram a ter só um andar com uma lambidela de margarina… Agora este aqui, do Príncipe Real, já se aproxima mais da generalidade. Por exemplo as giletes que eles dão algumas já barbearam mortos. Tu não fazes ideia,,, Isto é um armazém de pré-cadáveres, é uma parada de monstros.

Num qualquer livro que comprara do Pacheco, encontrava-se um Bilhete-Postal-Porte-Pago para inscrição como assinante da Contraponto.

Foi assim como me constituí como o Assinante nº  84 e passei a receber, pelo correio, todos os livros editados pela Contraponto.

Um dia soube que a sogra do Santos Costa estava nesse lar de Palmela e sugeri que fizesse uma visita ao Pacheco e se constituísse, para poupar tempo e os portes, como portador dos livros. Livro na mão, pagamento feito pelo Santos Costa.

Entretanto a sogra do Santos Costa morreu e eu perdi o meu correio privilegiado.

Um dia, Novembro de 1998, recebi pelo correio, mais um livro do Pacheco, o Prazo de Validade.

Lá dentro um recado manuscrito:

Você é uma jóia de pessoa, mas é um CRAVA do pior. Agora que aquele senhor não vem aqui já (faleceu a D. Celeste), ou V. me envia 2.000$00 ou é saneado do meu ficheiro de assinantes.

O Santos Costa garantiu-me que todos os livros que trouxera de Palmela tinham sido pagos.

Mandei uma amável carta ao Pacheco, perguntando-lhe qual o livro que ficara por pagar.

Resposta em Pachecal-Postal:

Desfazia-se em desculpas. Tinha-me confundido com um assinante do Porto e adiantava que era capaz de enganar muita gente nunca um dos seus assinantes.

O Postal é o que aí está, e Pacheco deixou recado manuscrito:

Pegue nesta miúda e leve-a para o MECO.

Mais tarde, enviado pelo Pacheco, recebi um pacote contendo três livros e um recado, escrito a esferográfica verde:

Estão aqui uns livrecos, que certamente já terá, e se assim for, ofereça-os a um amigo.

Não tem de pagar nada. Você é um compincha.

Desconcertante este Pacheco.

Razão plena quando dizia: a Contraponto sou eu!

Nota do Editor: a descrição do lar de Palmela é tirada de uma entrevista dada a João Pedro George e incluída em O Crocodilo Que Voa, Tinta da China, Lisboa Fevereiro de 2008.

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