Em
Queluz, 1978, morre Ruy Belo – um tipo porreiro que escrevia uns versos e
gostava de futebol.
ENTÃO
AGORA VAMOS FICAR SEM O RUY BELO
Quando
morre um poeta é fatal a ANOP
«sempre
em cima do evento» debita o seu telegrama
tantos
anos uma «obra ímpar» etc.
foi
assim com o Ruy Belo mas o flash
pedia
para não se dar a notícia o que me levou
à
conclusão irresistível de que mais uma vez este
se
entretinha a reinar aos cowboys
ó
Ruy tu mascarado de Jesse James o vingador vingando
as
malas-artes da retórica idiota
o
que me levou à conclusão irresistível
de
que
esperaria
mais pormenores para «confirmação da informação»
seguiram-se
telefonemas de recurso a localizar em férias
o
João Miguel Fernandes Jorge não estava
no
Bombarral em casa dos pais não estava na Consolação
Lisboa:
ele próprio atende e diz
que
o Ruy Belo
foi-se
em Queluz de não entende o quê
asma
ou parecido há o problema do funeral quando
mas
certamente para a aldeia «João» e ele
responde
baixo «sozinho» «tinha vindo tratar de una papéis»
a
porra da a triste da a caca da vida que levamos sacudida sobre os ombros
passa
esse dia do telegrama da ANOP os jornais afinal noticiam
redijo
setenta linhas que acompanho com uma chamada de primeira página em
positivo sobre rede pensando muito na hipótese
de um dia um colega meu sacar
da máquina um telex ou ouvir ao bogophone
olha o gajo marchou dá lá recados
e
o chefe (o meu sucessor de carteira) breve a «duas colunas com foto» havendo
apesar de tudo um certo cuidado porque
era da «malta»
e
tu que eras da malta não tive cuidado nenhum fui um coiro devia esmerar-me
devia
mesmo esmerar-me
então
agora ficamos sem o Ruy Belo
Fernando
Assis Pacheco em Lote de Salvados
PORTUGAL
SACRO-POFANO
VILA
DO CONDE
O
lugar onde o coração se esconde
é
onde o vento norte corta luas brancas no azul do mar
e
o poeta solitário escolhe igreja pra casar
O
lugar onde o coração se esconde
é
em dezembro o sol cortado pelo frio
e
à noite as luzes a alinhar o rio
O
lugar onde o coração se esconde
é
onde contra a casa soa o sino
e
dia a dia o homem soma o seu destino
O
lugar onde o coração se esconde
é
sobretudo agosto vendo música raparigas em cabelo
feira
das sextas-feiras gado pó e povo
é
onde se consente que nasça de novo
àquele
que foi jovem e foi belo
mas
o tempo a puco e puco arrefeceu
O
lugar onde o coração se esconde
é
o novo passado a ida pra o liceu
Mas
onde fica e como é que se chama
a
terra do crepúsculo de algodão em rama
das
muitas procissões dos contra-luz no bar
da
surpresa violenta desse sempre renovado mar?
O
lugar onde o coração se esconde
e
a mulher eterna tem a luz na fronte
fica
no norte e é vila do conde
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