sexta-feira, 8 de agosto de 2014

AINDA POR CIMA SE TEM UM LUGAR GARANTIDO NO CÉU



Em Queluz, 1978, morre Ruy Belo – um tipo porreiro que escrevia uns versos e gostava de futebol.

ENTÃO AGORA VAMOS FICAR SEM O RUY BELO

Quando morre um poeta é fatal a ANOP
«sempre em cima do evento» debita o seu telegrama
tantos anos uma «obra ímpar» etc.
foi assim com o Ruy Belo mas o flash
pedia para não se dar a notícia o que me levou
à conclusão irresistível de que mais uma vez este
se entretinha a reinar aos cowboys
ó Ruy tu mascarado de Jesse James o vingador vingando
as malas-artes da retórica idiota
o que me levou à conclusão irresistível
de que
esperaria mais pormenores para «confirmação da informação»

seguiram-se telefonemas de recurso a localizar em férias
o João Miguel Fernandes Jorge não estava
no Bombarral em casa dos pais não estava na Consolação
Lisboa: ele próprio atende e diz
que o Ruy Belo
foi-se em Queluz de não entende o quê
asma ou parecido há o problema do funeral quando
mas certamente para a aldeia «João» e ele
responde baixo «sozinho» «tinha vindo tratar de una papéis»

a porra da a triste da a caca da vida que levamos sacudida sobre os ombros
passa esse dia do telegrama da ANOP os jornais afinal noticiam
redijo setenta linhas que acompanho com uma chamada de primeira página em
      positivo sobre rede pensando muito na hipótese de um dia um colega meu sacar
      da máquina um telex ou ouvir ao bogophone olha o gajo marchou dá lá recados
e o chefe (o meu sucessor de carteira) breve a «duas colunas com foto» havendo
      apesar de tudo um certo cuidado porque era da «malta»
e tu que eras da malta não tive cuidado nenhum fui um coiro devia esmerar-me
devia mesmo esmerar-me

então agora ficamos sem o Ruy Belo

Fernando Assis Pacheco em Lote de Salvados

PORTUGAL SACRO-POFANO
VILA DO CONDE

O lugar onde o coração se esconde
é onde o vento norte corta luas brancas no azul do mar
e o poeta solitário escolhe igreja pra casar
O lugar onde o coração se esconde
é em dezembro o sol cortado pelo frio
e à noite as luzes a alinhar o rio
O lugar onde o coração se esconde
é onde contra a casa soa o sino
e dia a dia o homem soma o seu destino
O lugar onde o coração se esconde
é sobretudo agosto vendo música raparigas em cabelo
feira das sextas-feiras gado pó e povo
é onde se consente que nasça de novo
àquele que foi jovem e foi belo
mas o tempo a puco e puco arrefeceu
O lugar onde o coração se esconde
é o novo passado a ida pra o liceu
Mas onde fica e como é que se chama
a terra do crepúsculo de algodão em rama
das muitas procissões dos contra-luz no bar
da surpresa violenta desse sempre renovado mar?
O lugar onde o coração se esconde
e a mulher eterna tem a luz na fronte
fica no norte e é vila do conde

Ruy Belo Em Homem de Palavra(s)

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