sexta-feira, 15 de agosto de 2014

LARGO DO ESPÍRITO SANTO, 2, 2º.


Nem mais, nem menos: tudo tal e qual 
o sonho desmedido que mantinhas.
Só não sonharas estas andorinhas
que temos no beiral.

    E moramos num largo... E o nome lindo
que o nosso largo tem!
Com isto não contáramos também.
(Éramos dois sonhando e exigindo.)

    Da nossa casa o Alentejo é verde.
É atirar os olhos: São searas,
são olivais, são hortas... E pensaras
que haviam nossos olhos de ter sede!

E o pão da nossa mesa!... E o pucarinho
que nos dá de beber!... E os mil desenhos
da nossa loiça: flores, peixes castanhos,
dois pássaros cantando sobre um ninho...

    E o nosso quarto? Agora podes dar-me
teu corpo sem receio ou amargura.
Olha como a Senhora da moldura
sorri à nossa alma e à nossa carne.

    Em tudo, ó Companheira,
a nossa casa é bem a nossa casa.
Até nas flores. Até no azinho em brasa
que geme na lareira.

    Deus quis. E nós ao sonho erguemos muros,
rasguei janelas eu e tu bordaste
as cortinas. Depois, ó flor na haste,
foi colher-te e ficarmos ambos puros.

    Puros, Amor - e à espera.
E serenos. Também a nossa casa.
(Há-de bater-lhe à porta com a asa
um anjo de sangue e carne verdadeira.)
 

Sebastião da Gama em Pelo Sonho É que Vamos.

Legenda: Fac-simile do manuscrito de Sebastião da Gama do poema Largo Espírito Santo, 2, 2.º

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