quinta-feira, 17 de abril de 2025

OLHAR AS CAPAS


A Queda de um Anjo

Camilo Castelo Branco

Capa: Carlos César Vasconcelos

Colecção: Clássicos para Leitores de Hoje

Relógio d’Água, Lisboa Março de 2025

Abriram-se as Câmaras.

A oposição espantou-se de ver o deputado por Miranda conversando muito mão por mão com os ministros. O abade de Estevães ousou perguntar ao seu colega, amigo e correligionário, de que rumo estava. Calisto respondeu que estava no rumo em que o farol da civilização alumiava com mais clara luz. O desembargador

do eclesiástico redarguiu com admoestações benévolas. O morgado sorriu-lhe na cara veneranda, e disse-lhe:

. Meu amigo, abra os olhos, que não há martirológico para as toupeiras. As ideias não se formam na cabeça do homem; voejam na atmosfera, respiram-se no ar, bebem-se na água, coam-se no sangue, entram nas moléculas, e refundem, reformam e renovam a compleição do homem.

- Segue-se que está liberal? – perguntou o pávido abade.

- Estou português do século XIX

- Apostalou! – disse com pesar mui estranhado o padre. – Apostalou!...

- Da religião dos néscios.

-Mercês! – acudiu o abade.

- Sem direitos – retorquiu o sardónico Barbuda.

Não tornaram-se a falar, até um dia do ano seguinte em que o padre, despachado cónego da Sé patriarcal de Lisboa, aceitou o parabém e o sorriso pungitivo de Calisto Elói.

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