A Queda de um Anjo
Camilo Castelo
Branco
Capa: Carlos
César Vasconcelos
Colecção:
Clássicos para Leitores de Hoje
Relógio d’Água,
Lisboa Março de 2025
Abriram-se as Câmaras.
A oposição espantou-se de ver o deputado por Miranda
conversando muito mão por mão com os ministros. O abade de Estevães ousou
perguntar ao seu colega, amigo e correligionário, de que rumo estava. Calisto
respondeu que estava no rumo em que o farol da civilização alumiava com mais
clara luz. O desembargador
do eclesiástico redarguiu com admoestações benévolas. O
morgado sorriu-lhe na cara veneranda, e disse-lhe:
. Meu amigo, abra os olhos, que não há martirológico
para as toupeiras. As ideias não se formam na cabeça do homem; voejam na
atmosfera, respiram-se no ar, bebem-se na água, coam-se no sangue, entram nas
moléculas, e refundem, reformam e renovam a compleição do homem.
- Segue-se que está liberal? – perguntou o pávido
abade.
- Estou português do século XIX
- Apostalou! – disse com pesar mui estranhado o padre.
– Apostalou!...
- Da religião dos néscios.
-Mercês! – acudiu o abade.
- Sem direitos – retorquiu o sardónico Barbuda.
Não tornaram-se a falar, até um dia do ano seguinte em
que o padre, despachado cónego da Sé patriarcal de Lisboa, aceitou o parabém e
o sorriso pungitivo de Calisto Elói.

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