Um dos nossos mais brilhantes intelectuais, é o 19 da Colecção Poetas de Hoje da Editora Portugália, com Memória Dum Pintor Desconhecido.
Falamos de Mário Dionísio.
Transcrevo o poema
que Mário Dionísio escolheu:
Altos cachões de espuma
com instantes de prata
Um corpo aqui se afunda
em seu túmulo de água
De extremo a extremo um pano azul puído e sujo
batido pelo vento em si mesmo desata um arvoredo
de mágoa
Rola no horizonte o peso
redondo e cavo dum balão de medo
Ao longe um eco verde
de lata
É de José Gomes
Ferreira uma das mais fulgurantes frases sobre Mário Dionísio:
«…afinal toda aquela frieza aparente não passa de uma
ternura adiada.» Podemos recordar
uma outra, a de Maria Teresa Horta: «Mário Dionísio tem o espantoso fascínio
da inteligência.»
Professor,
pintor, escritor, um intelectual que fez da postura ética uma referência a toda
a prova.
Quem o quiser conhecer tem à sua disposição um livrinho, publicado em Dezembro de 1987, e em que desenhou a sua Autobiografia, do qual fizemos, neste Cais, algumas leituras:
«O quê? Projectos? Mais projectos? Coço a cabeça, meio
envergonhado. Um homem com esta idade! Terei tempo sequer para metade deles?
Vale-me então um espírito maligno, género anãozinho da
floresta (outra vez a floresta...) que me pousa no ombro enquanto escrevo ou
pinto e que me diz, gozão: «Inquietas-te porquê? Que falta é que tudo isso
faz?» E, com esta, arruma-me de vez: «Estás convencido de teres estado sempre
certo?»
A defesa, abro o meu irregularíssimo Diário num dia de
63, aí calhou, e leio-o como se a data fosse a de hoje: «Não queiras que cada
página seja um monumento. Não queiras tudo. E o melhor caminho para não
encontrares nada. Não te sintas esmagado pelos grandes nem condoído com a falência
dos que detestas ou desprezas ou apenas lamentas. Escreve. Esquece tudo, tapa
os ouvidos, mete-te bem na tua experiência, só na tua experiência. Grande ou
pequena, é o que tens. Não desanimes, não desistas, não te perturbes com a
indiferença dos outros, não te entusiasmes com os aplausos dos outros.
Escreve! Escreve!».
O livro, Memória dum Pintor Desconhecido, é dos poucos da Colecção Poetas de Hoje, que não
tem a acompanhá-lo um estudo sobre a sua obra.
Desconheço as razões. Mas José Gomes Ferreira seria o prefaciador ideal, como o demonstram as palavras que escreveu em A Memória das Palavras:
«Confesso que sempre me deslumbraram os homens do tipo
de inteligência de Mário Dionísio, que deixam um rasto de prata em tudo oque
escrevem, e cujo bom senso acaba por corrigir as inclinações naturais para o
Absoluto, atinentes aos espíritos afectivos como o dele, ávidos de pureza leal.
Aliás, só uma inteligência de grande lucidez junta a um instinto muito fino da cultura e do julgamento crítico pode explicar a autoridade rápida com que se impôs, como doutrinador do neo-realismo, não apenas aos pares da sua idade, mas sobretudo aos adversários. Além disso, como dispunha de dotes fundos de riqueza artística e um espírito com dons de maleabilidade incomum, nunca recusou a iluminação de novos temas poéticos e caminhos ainda mal pisados. Coisas que os críticos, não afeitos à necessidade da justiça das géneses, geralmente se esquecem de apontar.»

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