domingo, 27 de abril de 2025

POEMAS AUTOGRAFADOS


Um dos nossos mais brilhantes intelectuais, é o 19 da Colecção Poetas de Hoje da Editora Portugália, com Memória Dum Pintor Desconhecido. 

Falamos de Mário Dionísio.

Transcrevo o poema que Mário Dionísio escolheu:

 

Altos cachões de espuma

com instantes de prata

Um corpo aqui se afunda

em seu túmulo de água

 

De extremo a extremo um pano azul puído e sujo

batido pelo vento em si mesmo desata um arvoredo

de mágoa

 

Rola no horizonte o peso

redondo e cavo dum balão de medo

 

Ao longe um eco verde

de lata

 

É de José Gomes Ferreira uma das mais fulgurantes frases sobre Mário Dionísio:

«…afinal toda aquela frieza aparente não passa de uma ternura adiada.» Podemos recordar uma outra, a de Maria Teresa Horta: «Mário Dionísio tem o espantoso fascínio da inteligência.»

Professor, pintor, escritor, um intelectual que fez da postura ética uma referência a toda a prova.

Quem o quiser conhecer tem à sua disposição um livrinho, publicado em Dezembro de 1987, e em que desenhou a sua Autobiografia, do qual fizemos, neste Cais, algumas leituras:

«O quê? Projectos? Mais projectos? Coço a cabeça, meio envergonhado. Um homem com esta idade! Terei tempo sequer para metade deles?

Vale-me então um espírito maligno, género anãozinho da floresta (outra vez a floresta...) que me pousa no ombro enquanto escrevo ou pinto e que me diz, gozão: «Inquietas-te porquê? Que falta é que tudo isso faz?» E, com esta, arruma-me de vez: «Estás convencido de teres estado sempre certo?»

A defesa, abro o meu irregularíssimo Diário num dia de 63, aí calhou, e leio-o como se a data fosse a de hoje: «Não queiras que cada página seja um monumento. Não queiras tudo. E o melhor ca­minho para não encontrares nada. Não te sintas esmagado pelos grandes nem condoído com a fa­lência dos que detestas ou desprezas ou apenas la­mentas. Escreve. Esquece tudo, tapa os ouvidos, mete-te bem na tua experiência, só na tua expe­riência. Grande ou pequena, é o que tens. Não de­sanimes, não desistas, não te perturbes com a indi­ferença dos outros, não te entusiasmes com os aplausos dos outros. Escreve! Escreve!».

O livro, Memória dum Pintor Desconhecido, é dos poucos da Colecção Poetas de Hoje, que não tem a acompanhá-lo um estudo sobre a sua obra.

Desconheço as razões. Mas José Gomes Ferreira seria o prefaciador ideal, como o demonstram  as palavras que escreveu em A Memória das Palavras:

«Confesso que sempre me deslumbraram os homens do tipo de inteligência de Mário Dionísio, que deixam um rasto de prata em tudo oque escrevem, e cujo bom senso acaba por corrigir as inclinações natu­rais para o Absoluto, atinentes aos espíritos afectivos como o dele, ávidos de pureza leal.

Aliás, só uma inteligência de grande lucidez junta a um instinto muito fino da cultura e do julgamento crítico pode explicar a autoridade rá­pida com que se impôs, como doutrinador do neo-realismo, não ape­nas aos pares da sua idade, mas sobretudo aos adversários. Além disso, como dispunha de dotes fundos de riqueza artística e um espírito com dons de maleabilidade incomum, nunca recusou a ilumi­nação de novos temas poéticos e caminhos ainda mal pisados. Coisas que os críticos, não afeitos à necessidade da justiça das géneses, geral­mente se esquecem de apontar.» 

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