Jubiabá
Jorge Amado
Colecção Livros
do Brasil nº 10
Livros do Brasil, Lisboa s/d
Se não fosse a greve o seu corpo de afogado seria
depositado na areia e os siris chocalhariam como chocalhavam no corpo de
Viriato, o Anão. Brilha a luz de um saveiro. O vento levará até ele a melodia
do realejo que o velho italiano toca? «Um dia», pensa António Balduíno, «hei de
viajar, hei de sair para outras terras.»
Um dia ele tomará um navio, um navio como aquele holandês que está todo iluminado, e partirá pela estrada larga do mar. A greve o salvou. Agora sabe lutar. A greve foi o seu ABC. O navio vai largar. Os marinheiros souberam da greve, contarão em outras terras que aqueles negros lutaram. Os que ficam dão adeuses. Os que vão limpam lágrimas. Por que chorar quando se parte? Partir é uma aventura boa, mesmo quando se parte para o fundo do mar, como partiu Viriato, o Anão. Mas é melhor partir para a greve, para a luta. Um dia António Balduíno partirá num navio e fará greve em todos os portos. Nesse dia dará adeus também. Adeus, minha gente, que eu já vou. Zumbi dos Palmares brilha no céu. Sabe que o negro António Balduíno não entrará mais pelo mar, para a morte. A greve o salvou. Um dia ele dará adeus e agitará um lenço do tombadilho de um navio. A música do realejo chora uma despedida. Mas ele não dará adeus como estes homens e mulheres da primeira classe, que dão adeus para os amigos, para pais e irmãos, para esposas chorosas, para noivas tristes. Ele dará adeus como aquele marinheiro loiro que está no fundo do navio e agita o boné para a cidade toda, para as prostitutas do Tabuão, para os operários que fizeram a greve, para os malandros que estão na Lanterna dos Afogados, para as estrelas onde está Zumbi dos Palmares, para o céu claro e a lua amarela, para o velho italiano do realejo, para Antônio Balduíno também. Ele dará adeus como o marinheiro. Adeus para todos, que ele fez a greve e aprendeu a amar a todos os mulatos, todos os negros, todos os brancos, que na terra, no bojo dos navios sobre o mar, são escravos que estão rebentando as cadeias. E o negro António Balduíno estende a mão calosa e grande, e responde ao adeus de Hans, o marinheiro.
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