No último dia de Março de 1979, o Diário de Lisboa, anunciava que ia começar a publicar, em folhetim, O Imenso Adeus de Raymaond Chandler, numa tradução de Mário-Henrique Leiria, há muito esgotado.
Para
a apresentação do folhetim foi pedido ao Eduardo Guerra Carneiro para que
realizasse a tarefa. Uma feliz ideia, porque o Eduardo sabia mesmo do assunto:
de livros, de copos, de policiais, do Mário-Henrique Leiria, do Raymond
Chandler, de cartas que há muito devia ao Zé Emílio, e tudo isso, algo mais que
ele sempre esgalhava muito bem, ajudou-o no Itinerário encomendado pelo chefe
de redacção.
Como
se pode ler acima no recorte do Diário de Lisboa, chamou-lhe Com
Chandler e Marlowe nos Bares do Cais do Sodré, e que o Eduardo nunca
incluiu em nenhum dos livros onde reuniu crónicas e textos publicados na
imprensa.
Começa
assim:
«Marlowe entra no “English-Bar”, despe a trincheira,
sacode-a da chuva de Março que, em morrinha, como em Vigo ou no Porto, ainda
pinga, atira o chapéu para o bengaleiro e pede um “gimlet” duplo.
Humphrey Bogart está ao balcão e sorri-lhe, de esguelha, com o paivante aceso
ao canto da boca. A “magrinha” ainda não tinha chegado. Eu bebia gin tónico,
numa mesa do canto com o Chandler. O Mário-Henrique Leiria não pôde vir: mandou
recado a dizer para bebermos dois ou três copos por ele. Lauren Bacall chegou
agora, senta-se à nossa mesa e pede-me um cigarro na sua voz rouca,
inconfundível. Reparo que Bogey está com ciúmes. Como não quer a coisa, de uma
velha telefonia vem uma música de piano: “Casablanca”. Afinal Bogart deve estar
ainda à espera da Ingrid Bergman. Chandler, que nada tem a ver com isto, começa
a falar da Cabeleira de Prata.»
Agora pode
entrar o tal Zé Emílio que é história que se pode ler na página 54 do tal caderdinho de capa vermelha onde, como dizia o velho, tudo anda ligado:
«Eu sei bem que te devo carta mas, sabes bem: words, words pouco valem para a saudade, é a palavra exact, saudades de ti, ó meu amigo a quem não disse quanto queria. Cheguei a ir, sabes , como no «Imenso Adeus» do Raymond Chandler, beber dois copos, para mim e para ti, a um outro lugar dos que gostavas. Mas, que é isso? A lírica ternura de que às vezes me acusavas.»
E, para fazer um
The End adequado para este Itinerário, desengate-se um pedacinho do
policial que aqui nos trouxe:
«Gosto dos
bares à tardinha, logo que abrem. Quando ainda há ar fresco e limpo e tudo está
luzidio e o tipo do bar dá a última olhadela aoa espelho para verificar se a
gravata está direita e o cabelo bem liso. Gosto das garrafas arrumadas nas
prateleiras do fundo e dos copos bem brilhantes e da sensação de antecipação
que se tem. Gosto de ver o homem misturar a primeira bebida da tarde e pô-la no
bar com o pequeno guardanapo bem dobrado ao lado. Gosto de a saborear sem
pressa. A primeira bebida sossegada num bar sossegado – é estupendo!
Eu concordei.
- O álcool é como o amor. O primeiro beijo é mágico, o segundo é intenso e o
terceiro é rotina. Depois só resta despir a rapariga.
- E isso é mau? – perguntei-lhe.»

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