No ficheiro ideográfico da Biblioteca da Casa, Nos Mares do Fim do Mundo de Bernardo estava classificado nos Diários.
O
volume que então existia, era a 1ª edição das Edições Ática, datada de 1959.
O
meu pai, durante a ditadura salazarista/marcelista, emprestava livros aos
companheiros que estavam nas cadeias da PIDE. Nunca vi o meu pai registar a
quem emprestava os livros. Uns regressaram às estantes, outros não. Uma tarefa
política como esta, não pode, não tem que ter registo, dizia-me e o meu avô,
silenciosamente, concordava
Só
por volta do ano de 2001 consegui encontrar uma edição do livro, mais uma vez
editada pela Ática, mas sem as fotografias da 1ª edição.
Recentemente,
por iniciativa da E-Imprimatur, Fevereiro de 2016, saiu uma nova edição, com
fotografias de Nos Mares do Fim do Mundo.
Da publicidade da editora:
«Na história da
literatura portuguesa do século XX, este livro é um objecto estranho e raro,
onde a poesia e a realidade dão as mãos num cenário de natureza inóspita que
realça o elemento humano.
«Nos Mares do Fim do
Mundo foi, em grande parte, escrito a bordo do arrastão "David
Melgueiro", na primeira campanha de 1957, a primeira também em que eu
servi na frota bacalhoeira portuguesa, como médico. Mas depois desta, tomei
parte numa segunda, em 1958, agora a bordo do "Senhora do Mar" e do
navio-hospital "Gil Eannes", em que assisti sobretudo aos barcos de
pesca à linha: assim pude de facto conhecer, por vezes intimamente, todos os
aspectos da vida dos pescadores bacalhoeiros portugueses, em mares da Terra
Nova e da Gronelândia, e completar este livro.»
A PARTIDA
«Enquanto o “David Melgueiro” se afasta, mais e mais de Lisboa,
eu surpreendo-me com as mãos abertas ao vento,
para nele colher um certo olhar negro e patético,
ou um riso estridente e nervoso que queria ser lágrima,
ou aquele dorido inclinar de cabeça silencioso e resignado,
ou aquele beijo enviado por alguém que me pede uma estrela como testemunho da
aventura,
ou a serenidade hirta e requintada de quem, enquanto o navio se distancia, se
acusa por não sentir nada (nem mágoa, nem saudade) por mim…
Com as minhas longas mãos abertas ao vento…»
Bernardo
Santareno é o pseudónimo literário de António Martinho do Rosário (1920 -
1980), considerado o maior dramaturgo português do século XX.
Licenciou-se em medicina em 1950 e entre 1957 e 1959 exerceu actividade médica
junto da frota bacalhoeira portuguesa na Terra Nova. Esta experiência deu
origem, no imediato, a uma colecção de textos escritos em pequenos blocos de
notas e que mais tarde resultariam no presente título. Mas também nalgumas das
suas mais famosas peças O lugre ou A promessa.
Bernardo Santareno iniciou-se na escrita como poeta sendo os seus três
primeiros livros coleções de poesia. A partir de 1957, o teatro foi registo de
eleição, tendo escrito 15 peças. Bernardo Santareno é o pseudónimo
literário de António Martinho do Rosário (1920 - 1980), considerado o maior
dramaturgo português do século XX.
Licenciou-se em medicina em 1950 e entre 1957 e 1959 exerceu actividade médica
junto da frota bacalhoeira portuguesa na Terra Nova. Esta experiência deu
origem, no imediato, a uma colecção de textos escritos em pequenos blocos de
notas e que mais tarde resultariam no presente título. Mas também nalgumas das
suas mais famosas peças O lugre ou A promessa.
Bernardo Santareno iniciou-se na escrita como poeta sendo os seus três
primeiros livros coleções de poesia. A partir de 1957, o teatro foi registo de
eleição, tendo escrito 15 peças.
Bernardo
Santareno muitas vezes, durante a dura luta junto da frota bacalhoeira, se
interrogou se seria capaz de cumprir a tarefa:
«Serei capaz? São mil e
tantos homens entregues aos meus cuidados, confiantes na minha proficiência
médica… Estarei eu preparado para tal? Terei ue me habituar a decidir, rápida e
eficazmente, nos casos de urgência: serei capaz? Sou tão doentiamente indeciso!
Sinto a vontade anestesiada pela penumbra tépida dos cinemas, envenenada pelo
aromas das rosas nocturnas de sombra, desgrenhada pelo desespero agudo de
tantas horas amarelas e inúteis…
Tenho que me
endurecer: habituar-me a morder os «talvez» e os «depois se verá»; mudar
saliências redondas em ângulos acerados; fazer de curvas insinuadas e subtis,
rectas simples e firmes, tensas de energia!..
Serei capaz? E se eu
desistisse, se voltasse para Lisboa? Pretexto? Uma neurose, por exemplo… Isso
seria aumentar a cobardia, a irresponsabilidade. Não quero. Lutarei e hei-de
vencer!
A sombra contínua que,
dentro de mim, nunca deixa que a madrugada seja simplesmente madrugada e que
persiste mesmo no risos solar do meio-dia, essa sombra (ou cicatriz dum estigma
sagrado, ou nostalgia de não sei que pomar maldito…) há-de fugir de mim para
sempre: e eu ficarei livre e transparente, despovoado e jovem.
As sonâmbulas presenças
ambíguas, os gestos babados, os veludos asfixiantes, os metais de «jazz» que
pesam nas rugas do meu rosto… o mar, o vento e a neve os hão-de lavar: e de
novo a minha face ficará pura e lisa, pronta a receber o verbo, aquela palavra
única entre mil escolhida…
- Senhor doutor, um
doente chama-o!
Como Jesus lavando os
pés aos apóstolos, assim eu queria servir esta gente.»


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