domingo, 28 de setembro de 2025

À LUPA


A crónica da Página Negra de Manuel S. Fonseca fala de tiros e mais tiros, que vão desde o tiro que matou um rei em Portugal, o tiro que matou Kennedy, alguns mais, mas o final da crónica é delicioso mais que suficiente para que A Lupa o não apanhasse:

«Podia falar do atentado a tiro contra Lenine. Mas não, falo da sua segunda morte. Havia um frequentador da Cinemateca, que era a pálida cara chapada do primeiro ditador soviético. Tão doce como pálido, viveria com uma sopa por dia e a pobreza de um Bartleby, um obsessivo amor pelo cinema. Chamávamos-lhe Lenine, e um dia, como alguém dirá de nós outro dia, olha, morreu. A Antónia, minha augusta mulher, entra a chorar no gabinete do João Bénard: «Morreu o Lenine.» O João, sabedor das inóspitas inclinações políticas da Antónia, espanta-se: «Ó Antónia, o Lenine já morreu há um século.» E logo a Antónia, em choro convulso: «Não é esse. Morreu o nosso Lenine.» Não há tiros no silêncio do cinema.»

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