Daqui a pouco vou entrar e comer pão de milho e queijo na cozinha,
beber um sumo de toranja, gravemente, aprendi com ele que comer é um acto
solene, sagrado, em que meninos bebíamos sumos, nos últimos anos por vezes a
meio da tarde um de nós fazia chá de laranja-lima, e sentávamo-nos aqui, nos
degraus, solenes e concentrados, com as canecas azuis na mão, ouvindo os
pássaros e o mar, e o momento era sagrado, íntimo, e não precisávamos de dizer
nada, sempre gostei tantos dos nossos silêncios. Também isso aprendi contigo,
meu amor, o silêncio, gosto de ver-te aí, sentado no muro, com o azul por
detrás, o som do mar, sempre foi o teu lugar preferido, sentado no muro,
olhando o mar. Respiro fundo o ar impregnado do perfume dos lilases, e a minha
mão acaricia o meu braço, e por momentos apetece-me chamar-te… mas não podes,
podes ficar aí, gosto de estar sozinha contigo, e ter-te aí é como ter-te no
degrau abaixo do meu, entre nós não há distância, só a distância dos anjos,
feita de asas e penas, de um pouco de vento.
Ana Teresa Pereira em
A Linguagem dos Pássaros
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