Gostar de começos de
livros, gostar de finais, gostar de conteúdos, em suma, gostar de livros.
Pode-se viver sem
ler? Pode, mas vive-se pior.
O final de Os Maias de Eça de Queiroz está no top
mais da minha lista de finais de livros.
Aqui vai:
E ambos retardaram o passo, descendo para a Rampa de Santos, como se
aquele fosse em verdade o caminho da vida, onde eles, certos de só encontrarem
ao fim desilusão e poeira, não devessem jamais avançar senão com lentidão e
desdém. Já avistavam o Aterro, a sua longa fila de luzes.
De repente Carlos teve um largo gesto de contrariedade:
- Que ferro! E eu que vinha desde Paris com este apetite! Esqueci-me de
mandar fazer hoje para o jantar um grande prato de paio com ervilhas.
E agora já era tarde, lembrou Ega. Então Carlos, até ai esquecido em
memórias do passado e sínteses da existência, pareceu ter inesperadamente
consciência da noite que caíra, dos candeeiros acesos. A um bico de gás tirou o
relógio. Eram seis e um quarto!
- Oh, diabo!... E eu que disse ao Vilaça e aos rapazes para estarem no
Bragança pontualmente às seis! Não aparecer por ai uma tipóia!...
- Espera! - exclamou Ega - Lá vem um «americano», ainda o apanhamos.
- Ainda o apanhamos! Os dois amigos lançaram o passo, largamente. E
Carlos, que arrojara o charuto, ia dizendo na aragem fina e fria que lhes
cortava a face:
- Que raiva ter esquecido o paiozinho! Enfim, acabou-se. Ao menos
assentamos a teoria definitiva da existência. Com efeito, não vale a pena fazer
um esforço, correr com ânsia para coisa alguma...
Ega, ao lado, ajuntava, ofegante, atirando as pernas magras:
- Nem para o amor, nem para a glória, nem para o dinheiro, nem para o
poder...
A lanterna vermelha do «americano», ao longe, no escuro, parara. E foi
em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:
- Ainda o apanhamos!
- Ainda o apanhamos!
De novo a lanterna deslizou, e fugiu. Então, para apanhar o
«americano», os dois amigos romperam a correr desesperadamente pela rampa de
Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia.
José-Augusto França,
para final das suas Memórias Para o Ano 2000, foi buscar o aceno do «Americano» do Eça.
Está em Paris, com
sua mulher Mahité, descreram na estação de metro de George V, a meio dos
Champs. A noite foi longa, a manhã está fria. A vontade, o gosto de um café bem
quente e um «croissant»;
… Agora, ao frio real
oponho a esperança modesta de um café bem quente . atravessamos, a Mahité e eu
para o Fourquet’s. Haverá, restará algum «croissant» crustilhante e lunar,
neste deserto de gente? Corramos então para ele: ainda o apanhamos, ainda o apanhamos!...
Legenda: fotografia
de um «Americano» tirada do blogue Restosde Colecção.
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