segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

FAÇO-ME COMPREENDER?


Carta de Jorge de Sena, datada de Lisboa 11 de Outubro de 1953, para Ant´nio Ramos Rosa:

Meu caro Ramos Rosa

Não, não acho que V. seja um «chato». Pelo contrário, agrada-me tanto que apelem para mim! Agrada-me tanto poder ser útil ou agradável por pouco que seja! E aqui tem também V, como eu também sou: fiquei-me embevecido no agrado do apelo e, disperso pela minha vida (o seu postal apanhou-me até ausente no Porto, em serviço), não acudi e era o que quereria, mais o que devia. Perdoa-me V. o silêncio e a demora? E está V; melhor?
Por este correio, seguem o último número da Critique e o livro do Caillois, em que V, fala, e que tenho em espanhol por sinal (para o caso tanto faz).
Não, Rosa, eu não assino nada (nem pude ainda renovar a assinatura da Critique), e mal compro um livro – se o dinheiro nem me chega para eu e a família passarmos ao mês seguinte! Não tenho o Frénaud em que me fala também. O livro do Monnerot chama-se Les faits sociaux  ne sont pas des choses – é de muito interesse, mas não o tenho também.

Noutro passo da carta, sena escreve:

Porque, meu caro Rosa, não só com poemas nunca ninguém ganhou a vida, mas, bem pior que isso (visto que nos deveria assistir o direito de não a ganharmos…), se perde a independência perante a realidade, que, em si mesma e sem nós, não é poética. Faço-me compreender? E vai longe o tempo dos Mecenas e das princesas de Thurn e Taxis emprestando castelo aos Rilkes.

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