terça-feira, 22 de janeiro de 2019

BALANÇO DESTE ANO QUE NÃO TERMINAREI


17 de Agosto de 1949

Os suicidas são homicidas tímidos. Masoquismo em vez de sadismo.

O prazer de fazer a barba depois de dois meses de reclusão –de me barbear a mim próprio. Diante de um espelho, num quarto de hotel, lá fora o mar.

É a primeira vez que faço o balanço de um ano por concluir.
No meu ofício, portanto, sou rei.
Em dez anos consegui tudo. Quando penso nas hesitações de outrora.
Na minha vida, sinto-me desesperado e perdido como não me sentia então. Que acrescentei? Nada. Ignorei durante alguns as minhas taras, vivi como se elas não existissem. Fui estóico. Era heroísmo? Não, não me custou. E depois, ao primeiro assalto da «inquietação angustiosa», caí de novo nas areias movediças. Debato-me desde Março nelas. Não têm importância os nomes. Serão por acaso mais que nomes dados pela sorte, nomes fortuitos – esses, ou outros? Resta que sei agora qual é o meu maior trunfo – e a tal triunfo falta a carne, falta o sangue e falta a vida.
Nada tenho a desejar nesta terra, excepto aquilo que quinze anos de insucesso excluem a partir deste momento.
Eis o balanço deste ano por terminar e que não terminarei.

Espantas-te de que os outros passem a teu lado e não saibam, quando tu p+roprio passas ao lado de tanta gente sem saber: Não te interessa qual o pesar de cada um, o seu cancro secreto?

Cesare Pavese em Ofício de Viver

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