Na entrevista que Luiz Pacheco deu a João Pedro George fala-se do livro «Mano Forte», dezassete
cartas que Luiz Pacheco escreveu a António José Forte:
E o livro Mano Forte, a correspondência para
o António José Forte?
Quem conheça um
pouco da minha vida sabe que eu tive uma vida atribulada, com fugas de
casas, de terras, de mulheres, de calotes e cobradores, da polícia e até dos
ladrões, de ambientes… eu sempre tive o cuidado, quer em Setúbal, quer nas
Caldas da Rainha, quer na Macieira, quando aparecia uma ameaça de ser preso ou
ter que mudar rapidamente de casa, de não andar carregado com dossiers cheios
de tralha… ficou-me muita tralha perdida para aí… ainda bem que ficou…
Mas gostas do resultado final do livro?
Mas gostas do resultado final do livro?
Dali não vem mal ao
mundo. Podia vir se isto fosse uma edição que não tivesse venda. Isto é muito
cuidado. Se teve venda alguém ganhou, ganhou a tipografia, ganhou a fábrica de
papel, ganhou também o editor… Eu tenho uma certa cagança nisto. Repara, eu
estou aqui no quarto, não saio à rua há mais de um ano e de repente estou na
montra da FNAC… é uma maneira de sair daqui.
Lembras-te de ter escrito aquelas cartas e aqueles postais?
Lembras-te de ter escrito aquelas cartas e aqueles postais?
Não me lembrava de
nada. Publiquei cartas minhas para na cadeia do Forte de Caxias e do Forte para
mim no Pacheco versus Cesariny. Isto é nem mais nem menos o resultado de um
gajo que teve uma vida fodida, ou variada, salta de Lisboa para Setúbal, de
Setúbal salta para as Caldas da Rainha, salta para Almoinha, Sesimbra, salta
para Vieira do Minho. As cartas também são para vários sítios porque como o
Forte era funcionário das bibliotecas itinerantes andava por Vieira do Minho,
Portalegre, Santarém, Tomar…
Qual a memória que guardas do António José Forte?
Qual a memória que guardas do António José Forte?
O que não está aqui
feito e também agora não interessa fazer era valorizar, dar o seu justo valor à
figura do Forte. Eu tentei convencer o Bernardo Sá Nogueira... não quis, achou
que não… O Forte nunca foi um gajo de se evidenciar muito, de se por em bicos
de pé… é claro que este livro era uma boa oportunidade de chamar a atenção para
o Forte… Olha, não quero falar de mortos. Aqui no lar já há muitos mortos. Aqui
está tudo morto. O gajo da cadeira de rodas… Quando passa aqui o cortejo, à
hora de almoço, à hora de jantar…
Como é que esta correspondência aparece passados tantos anos?
Como é que esta correspondência aparece passados tantos anos?
Um tipo sabe que
fulano, António José Forte, por exemplo, guardou coisas que lhe mandou, cartas
e postais, guardou, morreu, foi parar às mãos de alguém e depois aquilo
representa um valor… e então vendem… depois aparece um urubu mais categorizado,
com outra perspectiva empresarial e faz a edição. Eu em princípio não posso
estar contra isso. De qualquer forma, este livro é uma golpada, é de rabo à
mostra… repara, é uma edição de 1000 exemplares a um preço, mais 100 a outro
preço, numerados, com mais 30 a outro preço, numerados também, uns em romanos e
outros em árabe. É o intuito do alfarrabista a valorizar as cartas que lá tem.
Seja como for, o livro está cheio de disparates. Passaram a vida a foder-me.
Como por exemplo?
O título, desde
logo o título. Eu não conheço as cartas nem os postais, mas duas dezenas de
cartas e três postais nunca podem ser “cartas fortes”, que era como o Bernardo,
no início, lhe queria chamar… há uma carta maior, mas o resto são tudo cartas
pequeninas… O Bernardo Sá Nogueira diz sobre estes postais que era “escrita
premeditada no pressuposto de publicação”. Isto é um disparate, é a armar em
esperto. Quem vê os postais que vêm ali, em fax-simile… então um gajo escreve
um postal destes a pensar que vai ser publicado? Eu agora quase não escrevo
postais com o objectivo de não serem publicados. Escrevo muito poucos postais e
cartas, então, é um caso sério. Aqui já não é o interesse amigo de guardar um
papel de um gajo que lhe mandou, aqui é já o interesse meramente mercenário de
fazer dinheiro com o papel. No gesto de guardar cartas há uma certa
afectividade ou interesse ou coisa que o valha. Um gajo que está numa cadeia,
num hospital, numa aldeia, se comunica com alguém, se gosta de comunicar, a
carta é um derivativo. Ainda mais nessa altura, no tempo do antigamente, do
fascismo, a carta era uma expressão livre, claro que os gajos muitos cautelosos
nem cartas nem postais escreviam. Agora eu escrevia imenso… Este livro é uma
golpada. É evidente. Por exemplo, a fotografia na capa… é uma maluqueira como
outra qualquer… Dá ideia que eu é que sou um exibicionista, que gosta de vir
nas capas… é para chamar, para vender mais… Isto faz vender. A fotografia e o
nome fazem vender…
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