Tratado das Paixões da Alma
António Lobo Antunes
Capa: Fernando Felgueiras
Publicações Dom
Quixote, Lisboa Novembro de 1990
Lembrou-se de quando tinha doze ou treze anos, roubava cigarros ao avô,
os dividia com o filho do caseiro e se estendiam ambos na relva, a fumar, vendo
o céu de Setembro no intervalo das acácias. Sorriu ao repuxo do lago e aos
bancos de azulejo que separavam o jardim do roseiral, e o Juiz de Instrução
inclinou-se de imediato para a frente, de mãos espalmadas numa confusão de
papéis: – O quê? – Não disse nada, são coisas antigas que me vêm à ideia, não
ligue. O avô em baixo, de casaco de verão, na cadeira de lona sob o guarda-sol
desbotado, assente nos ladrilhos onde aos domingos, a seguir ao almoço, a
família montava as mesas da canasta, e eles aqui, rente aos gladíolos, chupando
beatas clandestinas com a caixa de fósforos da cozinha no bolso, assistindo ao
leme do moinho que bailava para a direita e para a esquerda à procura do vento.
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