sábado, 5 de janeiro de 2019

O SONHO DO FOGO


 Voltava a fumar e fazia-o sem quaisquer remorsos, porque sabia que um dia deixaria de fumar e recuperaria. Fumava sem limites e escrever, para mim, era um acto complementar do prazer de fumar. Escrevia sobre alguém que se regia pelo princípio de nunca fumar enquanto dormia, mas durante o dia fumava; alguém para quem o fumo era o sonho do fogo. Era eu, que finalmente voltava a ser o mesmo. Eu que ultimamente estou a voltar a ser quem era, estou a regressar pouco a pouco à vida, como quem desperta de um desfalecimento. Até me desculpei diante dos meus superiores e, num dos meus subterfúgios humorísticos, aleguei um pequeno desmaio de várias semanas.

Enrique Vila-Matas em Diário Volúvel

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