Vejamos os livros. A primeira coisa que se nota, pelo menos a observar
os que tens mais à vista, é que para ti a função dos livros é a da leitura
imediata, não a de instrumentos de estudo ou de consulta nem a de elementos de
uma biblioteca disposta segundo uma certa ordem. Talvez às vezes tenhas querido
dar uma aparência de ordem às tuas estantes, mas toda a tentativa de
classificação foi rapidamente abalada por heterogéneos contributos. A razão
principal da disposição dos volumes, além da dimensão para os mais altos ou
mais baixos, é a cronológica, o terem cá chegado um depois do outro; embora
saibas sempre achá-los, até por que não são muitos (deves ter deixado outras
estantes noutras casas, noutras fases da tua existência), e talvez não te
aconteça muito teres de procurar um livro que já leste.
Resumindo, não pareces ser uma Leitora Que Relê. Lembras-te muito bem
de tudo o que leste (foi uma das primeiras coisas que deste a saber de ti);
talvez cada livro para ti se identifique com a leitura que fizeste num
determinado momento, de uma vez por todas. E tal como os guardas na memória,
gostas de conservar os livros enquanto objectos, de mantê-los junto de ti.
Italo Calvino em Se Numa Noite de Inverno Um Viajante
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