Tempo de silêncio, quase trevas, esperando a alegria de uma grande Aleluia.
Música
e Poesia. A Música de Mozart, a Poesia de Jorge de Sena.
Tudo se cala. Tudo há-de tornar-se num enorme Grito, enquanto ouvimos «Lacrimosa» do «Requiem» de Mozart.
«REQUIEM» DE
MOZART
I
Ouço-te, ó música, subir aguda
à convergente solidão gelada.
Ouço-te, ó música, chegar desnuda
ao vácuo centro, aonde, sustentada
e da esférica treva rodeada,
tu resplandeces e cintilas muda
como o silente gesto, a mão espalmada
por sobre a solidão que amante exsuda
e lacrimosa escorre pelo espaço
além de que só luz grita o pavor.
Ouço-te lá pousada, equidistante
desse clarão cuja doçura é de aço
como do frágil mas potente amor
que em teu ouvir-te queda esvoaçante.
II
Ó música da morte, ó vozes tantas
e tão agudas, que o estertor se cala.
Ó música da carne amargurada
de tanto ter perdido que ora esquece.
Ó música da morte, ah quantas, quantas
mortes gritaram no que em ti não fala.
Ó música da mente espedaçada
de tanto ter sonhado o que entretece,
sem cor e sem sentido, no fervor
de sublimar-se nesse além que és tu.
Ó vida feita uma detida morte.
Ó morte feita um inocente amor.
Amor que as asas sobre o corpo nu
fecha tranquilas no possuir da sorte.
III
Além do falso ou verdadeiro, além
do abstracto e do concreto, além da forma
e do conceito, além do que transforma
contrários pares noutros par’s também,
além do que recorre
ou nunca vem
ao que se pensa ou sente, além da norma
em que o não-ser se humilha e se conforma,
além do possuir-se, e para além
dessa certeza que outro ritmo dá
àquele de que as palavras têm sentido:
lá onde ouvir e não-ouvir se igualam
na mesma imagem virtual
do na-
da – é que tu vais, ó música, partido
o nó dos tempos que por si se calam.
IV
Tudo se cala em ti como na vida.
tudo palpita e flui como no leito
em que se morre ou se ama, já desfeito
o abraço do momento em que sustida
a sensação da posse conseguida,
a carne pára a ejacular-se atenta.
Tudo é prazer em ti. Quanto alimenta
Esta glória de existir, trazida
a cada instante só do instante ser-se,
reflui em ti, liberto, puro, aflante, certeza e
segurança de conter-se
na criação virtual o renascer-se
agora e sempre pelo tempo adiante,
mesmo esquecido. Em ti, o conhecer-se
deste possível é a paz do amante
Jorge de Sena em
Arte de Música
Legenda: fotografia de Rui Ornelas
.jpg)
1 comentário:
Mozart não terminou o Requiem porque morreu em 5 de dezembro de 1791, antes de conseguir completá-lo. Estava gravemente doente nos últimos meses de vida e continuou a trabalhar na obra até muito perto da morte. Chegou a compor parte da introdução (Introitus) e deixou esboços para outras secções, como o Kyrie, Dies Irae e o início da Lacrimosa. A partir do nono compasso da Lacrimosa, a obra teve de ser completada pelo seu discípulo Franz Xaver Süssmayr
Após a morte de Mozart, Süssmayr foi escolhido para terminar o Requiem, em parte por sua proximidade com o compositor e porque já estava envolvido no projeto. Ele usou os esboços deixados por Mozart e completou as partes em falta, incluindo a Sanctus, Benedictus e Agnus Dei.
Enviar um comentário